Todos os anos os astrônomos descobrem aproximadamente 20 a 25 supernovas em outras galáxias. Há exatamente vinte anos, em 1987, observou-se na Grande Nuvem de Magalhães -uma galáxia anã próximo à Via-Láctea -, a mais brilhante e mais próxima supernova dos últimos quatro séculos, o que permitiu aos astrônomos, pela primeira vez, realizarem um estudo sistemático intenso e detalhado de uma supernova, com os últimos avanços da moderna tecnologia observacional. Em conseqüência, foi possível comprovar que algumas teorias sobre evolução estelar estavam corretas e, ao mesmo tempo, surgiram novos questionamentos.
Na noite de 24 de fevereiro de 1987, o assistente de noite Oscar Duhalde, do Observatório norte-americano de Las Campanas, no Chile, às 4h40min T.U., e o astrônomo amador Albert Jones, em Nelson, Nova Zelândia, às 7h54min T.U., descobriram independentemente a supernova SN 1987A (letra A, após 1987, significa ser a primeira estrela deste tipo, SN, descoberta neste ano), com uma magnitude visual aparente de 4,5 - facilmente visível a olho nu -, ao lado da nebulosa gigante de Tarântula (30 Doradus), na Grande Nuvem de Magalhães, na constelação de Doradus (Dourado).
Nesta mesma noite, às 5h30min T.U., o astrônomo canadense Ian Shelton, da Universidade de Toronto, em missão no Observatório de Las Campanas, no Chile, identificou um novo objeto em sua placa fotográfica obtida com o astrógrafo de 25cm de diâmetro, atribuindo-o inicialmente a um defeito na emulsão fotográfica. Ao observar o céu, com seus próprios olhos, Shelton verificou que não estava sonhando: havia descoberto a mais brilhante supernova observada desde 1604.
Como a Grande e a Pequena Nuvem de Magalhães - duas pequenas galáxias satélites da nossa Galáxia - estão situadas a cerca de 160.000 anos-luz, podemos afirmar que a luz proveniente da explosão, que agora assistimos, levou 160 mil anos para chegar até nós. Na realidade, assistimos em 24 de fevereiro um evento cataclísmico que ocorreu na Grande Nuvem de Magalhães muito antes do aparecimento do Homo Sapiens sobre a Terra.
Apesar dos exageros iniciais, que previram que esta supernova ultrapassaria várias vezes o brilho de Sirius, a estrela mais brilhante do céu (criando uma falsa expectativa entre os leigos), a sua descoberta provocou uma enorme agitação e euforia entre os astrônomos de todo o mundo: era a primeira vez que uma supernova relativamente próxima a nós, poderia ser estudada pelos astrofísicos com os novos métodos de observação, desenvolvidos depois que Galileu, em 1609, utilizou pela primeira vez um instrumento para observar os astros. Com efeito, embora mais próxima à distância de 30 mil anos-luz, na direção do centro de nossa Galáxia, a SN 1605 foi estudada por Tycho-Brahe, Galileu e Kepler, com os reduzidos métodos disponíveis àquela época. Em virtude de seu brilho, a SN 1987A constituiu uma festa para os habitantes do hemisfério sul, que tiveram a sorte de observar a olho nu as últimas luzes de uma estrela que desapareceu há aproximadamente 160 milênios.
As conseqüências científicas desta descoberta foram inimagináveis. De início permitiram compreender, com mais exatidão, os processos cataclísmicos que se seguem à morte de uma estrela muito maciça. A determinação do seu brilho intrínseco permitiu rever e recalibrar as escalas das distâncias em todo o universo, e, em conseqüência, a sua idade.
Por outro lado, os físicos em partículas elementares e os astrofísicos nunca tiveram tão boa oportunidade de trocar seus pontos de vista sobre o infinitamente pequeno e infinitamente grande, como na ocasião da detecção, na superfície terrestre, dos primeiros neutrinos emitidos pela supernova há 163 mil anos. Com efeito, o seu registro permitiu informações da máxima importância sobre as propriedades (massa, tempo de vida, etc) destas partículas, bem como sobre o panorama teórico proposto para compreender a formação das estrelas de nêutrons.
Várias questões surgiram, após o aparecimento desta supernova: por que esta estrela não começou a reduzir logo o seu brilho, como ocorre com este tipo de astro? Será possível localizar, ou melhor, identificar, em fotografias anteriores, traços da estrela que explodiu? Iríamos assistir ao aparecimento de uma nebulosa, resto dessa supernova, como já ocorreu com as outras que deixaram uma nebulosidade como vestígio de sua explosão?
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão. Astrônomo, criador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins, escreveu mais de 85 livros, entre outros, Anuário de Astronomia e Astronáutica 2007. Consulte a homepage: http://www.ronaldomourao.com
A estrela-mãe da supernova 1987A
Qual teria sido a estrela precursora da supernova 1987A? Verificou-se que a mais provável seria a estrela Sanduleak - 69 202 - uma supergigante azul do tipo espectral B3. Uma análise mais cuidadosa da região onde surgiu a supernova revelou a existência de três estrelas: a Sanduleak, uma estrela-anã azul e uma terceira estrela igualmente azul. Não se encontrou nenhuma supernova vermelha, o que deixou os astrônomos muito intrigados. Segundo a teoria atualmente aceita, só as supergigantes vermelhas são capazes de se transformar em supernovas.
Para complicar a situação, uma falha no estudo dos resultados obtidos pelo satélite IUE (International Ultraviolet Explorer) sugeriu que a Sanduleak 69 202 ainda emitia no ultravioleta, o que significava que esta estrela não estava morta, ou seja, ela não poderia ser a geradora da SN 1987A. Após semanas de pesquisas, o astrônomo norte-americano Robert Kirchner concluiu que a radiação ultravioleta, inicialmente atribuída à Sanduleak provinha, na realidade, das outras duas estrelas situadas no mesmo campo de observação. Não havia mais dúvida: a estrela-mãe da supernova 1987A era a Sanduleak 69 202. No entanto, uma dúvida permaneceu: um astro azul é, em geral, uma estrela jovem e quente. Para os astrofísicos teóricos só as estrelas que atingiram o estágio de supergigantes vermelhas, ou seja, as que tenham queimado a maior parte do seu hidrogênio, podem dar origem às supernovas. Uma das soluções para o problema sugere que a Sanduleak era na realidade uma supergigante vermelha que recentemente perdeu o seu envoltório vermelho, em virtude dos possantes ventos estelares que lhe destruíram as camadas externas.
Por outro lado, no que se refere à luminosidade, a SN 1987A apresentou um comportamento pouco normal. Esperava-se que ela fosse mais brilhante, no fim de 20 dias, após a explosão, o que de fato ocorreu três meses mais tarde, em meados de maio, quando atingiu a magnitude 3. Alguns esperavam que ela atingisse uma magnitude muito superior: talvez equivalente ao brilho do planeta Vênus. Para agravar a situação, o seu brilho declinou mais lentamente do que o previsto. Depois de um curto período de decepção, os astrônomos concluíram que a teoria sobre a evolução das supernovas era muito rígida. Cada supernova era um caso particular. Estavam com razão os astrônomos que, desde o início, acreditavam que esta supernova fosse sui-generis, pois, em geral, as supernovas de tipo II têm origem em estrelas supergigantes vermelhas.
Como, na realidade, as supernovas estudadas se encontram muito afastadas, não se detectam com facilidade, as supernovas provenientes de supergigantes azuis, que, como no caso da supernova Shelton, são mais fracas em seu máximo do que as supernovas provenientes de supergigantes vermelhas. Com efeito, modelos teóricos mostram que uma estrela supergigante azul tipo B3 (15 a 20 massas solares) pode perfeitamente dar origem a uma supernova do tipo II, com máximo luminoso muito análogo ao da supernova 1987A.
A explosão de uma estrela, como foi o caso da supernova 1987A, produz um fluxo considerável de radiações em vários comprimentos de onda (luz visível, raios X, raios gama, ultravioleta, infravermelho e ondas de rádio). O estudo de cada uma destas manifestações energéticas é altamente revelador para o entendimento do fenômeno. Infelizmente, algumas destas emissões, em particular os raios X, são eliminadas pela atmosfera terrestre e não atingem os telescópios situados na superfície terrestre. Por outro lado, o próprio superaquecimento do envoltório, que se cria ao redor da supernova, absorve alguma destas radiações. Se, no primeiro caso, a observação fora da atmosfera é a solução - por meio de satélites -, no segundo, é necessário esperar que a nuvem que se formou ao redor da supernova se disperse ou se retalhe para que seja possível detectar as manifestações em raios X da supernova.
Imagem de P. Challis, R. Kirshner e B. Sugerman.