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2009-12-31

Ano Internacional da Astronomia - Dia 365 "Astronomia na Obra de Camões"

Félix Rodrigues
Este trabalho intitulado A astronomia na obra de Camões, integra-se nas Comemorações de 2009, Ano Internacional da Astronomia.

Introdução

O Professor de Matemática da Universidade de Coimbra, Luciano Pereira da Silva, publicou entre 1913 e 1915, na Revista da Universidade de Coimbra, um estudo intitulado “A Astronomia de Os Lusíadas”, que rapidamente se esgotou. Mais tarde, em 1972, houve uma reedição desse trabalho que também esgotou. Essa obra, está neste momento disponível on-line no sítio do Instituto Camões (http://www.instituto-camoes.pt/cvc/bdc/pensamento/astronomialusiadas).
Na “Astronomia de Os Lusíadas” analisa-se, de modo sistemático, as referências astronómicas do Poema e esclarecem-se os seus aspectos astronómicos, mostrando que ‘Camões tinha um conhecimento claro e seguro dos princípios da astronomia, como ela se professava no seu tempo’ e deduz que as ideias astronómicas de poeta são as do texto de Sacrobosco, com as modificações contidas nas notas de Pedro Nunes no Tratado da Sphera de 1537.
Em 1998, o astrónomo brasileiro Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, publica um livro intitulado “A astronomia em Camões”, onde descreve a visão do universo no momento da composição da grande epopeia lusitana e questiona as fontes bibliográficas e outras de que se serviu o poeta para a elaboração do monumento máximo da língua portuguesa.
Entende-se que as referências astronómicas de “Os Lusíados”, escritos em 1572, reflectem uma visão aprofundada da astronomia da época, com elementos astrológicos característicos dos interesses das cortes europeias renascentistas. Assim, Camões tem uma visão medieval Cosmogónica do mundo, que ainda não incorporou os elementos da revolução Coperniana, que pretende colocar o Sol no centro do Universo. Essa visão Cosmogónica de Camões abrange as diversas lendas e teorias sobre as origens do universo de acordo com as religiões, mitologias e ciências, através da história. Camões é sem sombra de dúvida, na sua época e fora dela, um homem culto, possuidor de conhecimentos vastos em diversas áreas do saber.
A descrição do Universo, feita por Camões na estrofe 89 do Canto X, parece ser uma descrição da ilustração presente no Atlas Catalão do século XIV. Assim a astronomia em Camões é uma astronomia medieval semelhante à de Abraão Cresques, autor do Atlas Catalão que, tal como era tradição na época, colocou nos mapas que produziu informações geográficas, históricas e mitológicas. Na figura seguinte apresenta-se a ilustração do modelo ptolomaico do universo presente no Atlas Catalão.

Nuno Crato, num trabalho publicado em 2004, no Instituto Camões, num artigo intitulado Camões e Copérnico, afirma que: “...Camões não pode, contudo, ter-se baseado apenas na sua experiência nem em leituras secundárias. «Nem me falta na vida honesto estudo», diz quase no fim de Os Lusíadas, «com longa esperiencia misturado» (X, 154). A precisão com que fala da «grande máquina do Mundo» (X, 80) e se refere repetidamente a difíceis conceitos astronómicos indica ter-se baseado no «honesto estudo» da cosmologia da época.”.
É especialmente no último Canto de Os Lusíadas, quando a ninfa Tétis mostra a Vasco da Gama a Máquina do Mundo, que a visão medieval ptolomaica do Universo transparece lúcida e claramente na obra de Camões.
Organiza-se este trabalho, tentando demonstrar que Camões possuía uma grande paixão pela astronomia, que nessa época se confundia com a astrologia, a que se seguirá uma tentativa de demonstração de que os conhecimentos astronómicos de Camões eram precisos e profundos. Apresentar-se-á também uma descrição sucinta dos modelos medievais do Universo, com ênfase para o modelo Ptolomaico. Por fim tentar-se-á interpretar algumas estrofes de Os Lusíadas do ponto de vista do modelo epistemológico astronómico renascentista vigente.

O livro “Os Lusíadas” em exposição nas comemorações do Ano Internacional da Astronomia, no Museu de Angra do Heroísmo.

Os Lusíadas expostos, propriedade de um particular, ao que tudo indica pertenciam à rainha Dona Amélia. Foram editados em 1891 pela Livraria de António Maria Pereira, sita na Rua Augusta números 52 a 54, em Lisboa.
Esses Lusíadas de pequeno formato (11 cm), tem uma Nota Introdutória de Innocencio Francisco da Silva, datada de 12 de Abril de 1874. Innocencio Francisco da Silva foi um célebre e douto bibliografo que viveu entre 1840 e 1919.
Essa é uma edição, cuidadosamente revista e conforme a de 1572, precedida de uma biografia do poeta, também da autoria de Innocencio Francisco da Silva, seguida de um dicionário dos nomes próprios, históricos, geográficos e mitológicos, que se encontram no poema, adornada com o retrato de Camões, e com uma estampa do padrão levantado por Vasco da Gama em Melinde. Tem uma encadernação em couro.

Paixão de Camões pela astronomia

Na Elegia I, Camões alude, sem paixão, à vida aventurosa de guerreiro, apenas aspirando a vida bem-aventurada dos pastores de ovelhas, não como uma vida desprendida de preocupações ou bens materiais, mas como aquela que permite estudar e conhecer os fenómenos naturais, dando aí ênfase à astronomia. Segundo Camões, é ditoso aquele que alcança “as causas naturais de toda a cousa”, ou seja, aquele que percebe e interpreta os fenómenos físicos, como a formação da chuva ou da neve, os efeitos do sol na terra, a reflexão da luz solar pela Lua ou o seu próprio movimento.
.......................
Ditoso seja aquele que alcançou
poder viver na doce companhia
das mansas ovelhinhas que criou!
Este, bem facilmente alcançaria
as causas naturais de toda a cousa:
como se gera a chuva e neve fria;
os trabalhos do Sol, que não repousa;
e porque nos dá a Lua a luz alheia,
se tolher-nos de Febo os raios ousa;
e como tão depressa o Céu rodeia;
e como um só, os outros traz consigo;
e se é benina ou dura Citereia.
Bem mal pode entender isto que digo
quem há-de andar seguindo o fero Marte,
que traz os olhos sempre em seu perigo.
............
A pergunta, como se gera a chuva e a neve fria? Não é de resposta simples nem tem nada de “naif”, pois só muito recentemente se entenderam essas questões. Para se formar a chuva é necessário que haja vapor de água suficiente na atmosfera, núcleos de condensação de nuvens em suspensão (partículas finas com diâmetro aerodinâmico inferior a um micrómetro) e ocorra um arrefecimento adiabático. Para se formar neve é necessário a presença de núcleos de condensação de gelo.
Quanto à questão pela qual o Sol não repousa, essa resposta só foi dada convenientemente por Newton, ao enunciar a lei da Inércia no século XVII.
Essa aspiração não é tão nítida como no poema anterior, mas é recorrente na Elegia III, quando refere que Ovídio, desterrado e saudoso da família, como para tentar esquecer o infortúnio:

“…..
O curso das estrelas contemplava,
e como por sua ordem discorria
o céu, o ar e a terra adonde estava.
Os peixes pelo mar nadando via,
as feras pelo monte, procedendo
como seu natural lhes permitia.”

Nesse poema há uma grande aproximação do poeta ao mundo natural, no sentido a que hoje chamamos de ambiente. A contemplação de Ovídio, prende-se com o entendimento dos céus (astronomia), o movimento da atmosfera (física) e o comportamento animal (biologia).
No soneto CXLII das Obras completas de Luiz de Camões, publicada pela Imprensa Nacional em 1961 (Vol II) e 1981 (Vol III), o poeta refere o peito casto da Lua e dos dons que o céu distribui pela humanidade. Nesse soneto, pode não ser nítida a paixão de Camões pela astronomia, mas é claro o respeito que o poeta tem pelo firmamento e pelas “virtudes” que os astros encerram, numa perspectiva próxima da astrologia.
................
Diversos dões reparte o Ceo benino,
E quer que cada huma alma hum só possua;
Por isso ornou de casto peito a Lua,
Que o primeiro orbe illustra crystallino;
..........
Na idade média, e mesmo no Renascimento, a astronomia e astrologia andavam de mãos dadas. É clara essa ligação no poema anterior, especialmente no verso “Diversos dões reparte o Ceo benino” numa referência clara aos efeitos benignos dos astros que só tem sentido astrológico. Quando Camões refere o primeiro orbe ou primeiro céu, está afazer uma referência clara ao modelo geocêntrico de Ptolomeu e à orbita que a Lua aí ocupa. A mesma alusão é feita nos Lusíadas quando Camões se refere á Lua como «Planeta que no céu primeiro habita» e que marca com rigor o tempo da viagem de Vasco da Gama através das suas fases: «agora meio rosto, agora inteiro» (V, 24).
A personificação da Lua, e uma alusão clara às suas fases, tal como na estrofe anteriormente citada aparece também no soneto CCLI das Obras completas de Luiz de Camões, através de um elogio à personalidade que este astro encerra.
.............
Nella e nelle achei sempre a mesma lua,
Em quem nunca se viu outra firmeza,
Que não seja a de ser sempre mudável.
............
Tal como se referiu anteriormente, no tempo de Camões, astronomia e astrologia confundiam-se, acreditando-se que o destino de cada um estava escrito nas estrelas. Essa sina, destino ou fado, ditada pelas estrelas é nítida no Soneto V das Obras Completas de Luiz de Camões.
..........
Mas minha Estrella, que eu ja agora entendo,
A Morte cega, e o Caso duvidoso
Me fizerão de gostos haver medo.
..........
Em Portugal, a astrologia esteve muito em voga no tempo de Dom João I. Os principais eventos da história eram acompanhados pelos comentários dos astrólogos. Desse modo, a morte da rainha Dona Filipa de Lencastre, precedida de um eclipse do Sol, foi descrita pelos cronistas da época. Por ocasião da coroação de Dom Duarte, em 1433, o médico e astrólogo real Guedelha (Guedalia) solicitou ao jovem rei, que também se ocupava de estudos astronómicos, que adiasse a cerimónia uma vez que a posição dos astros lhe era desfavorável. O rei recusou e, por uma dessas coincidências inexplicáveis, o reino de Dom Duarte foi curto e infeliz. Em 1438, a morte do rei, fez com que o grande regente D. Pedro ordenasse ao mesmo astrólogo que dirigisse o coroamento do jovem Afonso V de modo a evitar os eventos desagradáveis como os que haviam ocorrido anteriormente durante o reinado de Dom Duarte.
Será apenas uma figura de estilo de Camões quando afirma nos Lusíadas que a coroação de D. João I estava “marcada” nas estrelas (Canto IV, Estrofe 3)?
.....
"Ser isto ordenação dos céus divina,
Por sinais muito claros se mostrou,
Quando em Évora a voz de uma menina,
Ante tempo falando o nomeou;
E como cousa enfim que o Céu destina,
No berço o corpo e a voz alevantou:
"Portugal! Portugal!" alçando a mão
Disse "pelo Rei novo, Dom João."
....
Estes versos podem efectivamente não traduzir uma paixão de Camões pela astronomia-astrologia ou uma necessidade de procurar entender esses fenómenos, pode ser também e exclusivamente uma figura de estilo que traduz correctamente o pensamento da época, todavia, são demasiadas coincidências.
O mesmo se pode dizer, acerca da crença de que o destino está escrito nas estrelas, pejada na estrofe 81 do Canto IX de os Lusíadas, que a seguir se transcreve, ou nas estrofes 25 do Canto VIII sobre Dom Paio Correia e estrofe 29 do mesmo Canto sobre as Batalhas de Aljubarrota e Valverde.

Nesta esperança só te vou seguindo:
Que, ou tu não sofrerás o peso dela,
Ou na virtude de teu gesto lindo
Lhe mudarás a triste e dura estrela:
E se se lhe mudar, não vás fugindo,
Que Amor te ferirá, gentil donzela,
E tu me esperarás, se Amor te fere:
E se me esperas, não há mais que espere.

A insistência, na obra de Camões, na ideia de que o destino está escrito nas estrelas, poderá querer dizer que o seu autor acreditava nessa fatalidade, dando força à hipótese de que Camões estudou e procurou entender o firmamento.
A paixão pela Lua, na obra de Camões (Obras Completas) é muito clara, veja-se por exemplo o soneto CLXV, onde o apaixonado Endimião se dirige ao Sol, pedindo que se ocultasse para dar lugar à Lua que idolatra.

En una selva al dispuntar del dia
Estaba Endimion triste y lloroso,
Vuelto al rayo del sol, que presuroso
Por la falda de un monte descendia.

Mirando al turbador de su alegria,
Contrario de su bien y su reposo,
Tras un suspiro y otro, congojoso,
Razones semejantes le decia:

Luz clara, para mi las escura,
Que con esse paseo apresurado,
Mi sol con tu teniebla escureciste;

Si allà pueden moverte en esa altura
Las quejas de un pastor enamorado,
No tardes en volver á dó saliste.

Crê-se que o argumento mais forte, a favor da tese de que Camões era apaixonado pela astronomia/astrologia e observação dos céus é estatístico.
Num total de 351 sonetos pesquisados, a Lua é explicitamente referida em quatro. É também referida pelo menos numa canção e numa ode. No entanto, os planetas conhecidos na época são essencialmente referidos como tal nos Lusíadas.
Em Os Lusíadas, a Lua é referia explicitamente uma vez no Canto Primeiro, uma no Canto Segundo, duas vezes no Canto Terceiro e uma vez no Canto Nono.
Há que ler com atenção cada estrofe para se perceber quando os principais deuses greco-romanos são planetas ou figuras mitológicas. Camões usa frequentemente nos seus versos a duplicidade planeta-deus ou deus-planeta para compor poeticamente as estrofes da grande epopeia portuguesa.
Mercúrio (no sentido astronómico ou astrológico) é referido três vezes no Canto II nas estrofes 59, 60 e 61, e uma vez no Canto Décimo, na estrofe 89. Veremos Mercúrio ser referido exclusivamente como entidade mitológica, uma vez no Canto Primeiro, se nos abstrairmos das estrofes 20 e 21 do mesmo Canto onde se diz, referindo ao Concílio dos deuses:
Quando os Deuses no Olimpo luminoso,
Onde o governo está da humana gente,
Se ajuntam em concílio glorioso
Sobre as cousas futuras do Oriente.
Pisando o cristalino Céu formoso,
Vêm pela Via-Láctea juntamente,
Convocados da parte do Tonante,
Pelo neto gentil do velho Atlante.
O céu cristalino é, no modelo ptolomaico a esfera das estrelas fixas, ou a última esfera celeste. O modelo do universo de Ptolomeu, vigente em toda a idade média e mesmo depois da chamada revolução coperniana que coloca o Sol no centro do Sistema Solar, no renascimento, era o modelo geocêntrico, impregnado de valores religiosos e da cultura grega clássica. Essa alusão ao “cristalino Céu formoso” é consentânea com o que se descreve a seguir estrofe 21 do Canto I, que refere explicitamente as sete esferas celestes do modelo geocêntrico clássico:
Deixam dos sete Céus o regimento,
Que do poder mais alto lhe foi dado,
Alto poder, que só co'o pensamento
Governa o Céu, a Terra, e o Mar irado.
Ali se acharam juntos num momento
Os que habitam o Arcturo congelado,
E os que o Austro tem, e as partes onde
A Aurora nasce, e o claro Sol se esconde.
São sete os céus de Ptolomeu: o primeiro da Lua, segundo de Mercúrio, terceiro de Vénus, quarto do Sol, quinto de Marte, sexto de Júpiter e sétimo de Saturno, a que se segue a esfera das estrelas fixas. Segundo Camões, esses deuses, saem das suas orbes, e caminham pela via Láctea até ao Olímpico, para intercederem pelos portugueses. Assim sendo, a referência a Mercúrio no Canto I, é tanto no sentido de planeta como no sentido mitológico, com diferenças das quatro vezes que é citado no Canto Segundo e a única vez que é citado no Canto Nono. Por outro lado, dá-se a entender que os deuses seguem o caminho das estrelas, a Via-Láctea, que actualmente sabemos tratar-se da nossa galáxia.
O planeta Vénus, é referido explicitamente, como planeta, ou como estrela da manhã ou grande estrela, no Canto Primeiro (estrofe 33), na estrofes 33, 34 e 35 do Canto Segundo, estrofe 85 do Canto Sexto, na estrofe 15 do Canto Sétimo, na estrofe 64 do Canto Oitavo e na estrofe 89 do Canto Décimo. Como deusa, Vénus é referida na estrofe 100 do Canto primeiro, em onze estrofes do Canto Segundo, na estrofe 106 do Canto Sexto e em onze estrofes do Canto Nono.
Na estrofe 33 do Canto I, Camões afirma:
Sustentava contra ele Vénus bela,
Afeiçoada à gente Lusitana,
Por quantas qualidades via nela
Da antiga tão amada sua Romana;
Nos fortes corações, na grande estrela,
Que mostraram na terra Tingitana,
E na língua, na qual quando imagina,
Com pouca corrupção crê que é a Latina.
Nessa estrofe, Vénus é a deusa romana do amor, cujas qualidades e virtudes se encontram associadas a “Nossa Senhora” na religião católica. Desde os babilónios que Vénus é uma deusa associada à estrela da noite ou da manhã. No verso “Nos fortes corações, na grande estrela” Camões atribui-lhe esse carácter. O planeta Vénus era conhecido desde os tempos pré-históricos, bem como os seus movimentos no céu, adquirindo importância em quase todas civilizações e interpretações astrológicas dos movimentos planetários. Por exemplo, a civilização maia elaborou um calendário religioso baseado nos ciclos de Vénus a quem chamavam de “Chak ek” (a grande estrela). A partir das observações de Vénus no céu era possível saber-se, em alto mar, o mês do ano em que os navegadores se encontravam. Assim sendo, Vénus foi um planeta que ajudou a guiar os portugueses nas suas descobertas.
Tantas referências a Vénus nos Lusíadas, tanto se pode dever ao facto do “amor” inspirar desmesuradamente os poetas, logo a recorrência constante de Camões à deusa do amor, ou, o mais pertinente, no sentido astronómico, como “estrela da manhã” que aconselha o rumo certo aos navegantes. Vénus aparece como estrela da manhã, antes do nascimento do Sol, indicando a direcção Este.
Quando a navegação estava centrada exclusivamente no Mediterrâneo era importantíssimo saber o sentido do oriente, de tal forma que quem não o encontrava ficava “desorientado” que actualmente significa extraviar-se, perder-se, desencaminhar-se ou aturdir-se.
O planeta Terra é explicitamente referido nas estrofes 1, 56 e 57 do Canto Segundo, na estrofe 19 do Canto Terceiro, na estrofe 51 do Canto Quinto e clara e objectivamente, na perspectiva física aristotélica, na estrofe 90 do Canto Décimo.
Em todos estes orbes, diferente
Curso verás, nuns grave e noutros leve;
Ora fogem do Centro longamente,
Ora da Terra estão caminho breve,
Bem como quis o Padre omnipotente,
Que o fogo fez e o ar, o vento e neve,
Os quais verás que jazem mais a dentro
E tem co Mar a Terra por seu centro.
Na estrofe anterior, Camões descreve as órbitas dos vários planetas afirmando que uns têm órbitas esféricas maiores do que outros, com períodos de rotação em torno da Terra distintos (nuns grave, noutros leve). O sentido místico religioso, típico da época medieval está bem presente no verso “Bem como quis o Padre omnipotente” bem como os quatro elementos da teoria dos quatro elementos dos filósofos pré-socráticos, que defendiam que a origem da matéria era atribuída aos elementos fogo, água, terra e ar. Assume-se nessa estrofe o modelo geocêntrico do universo pois esses quatro elementos
“.. tem co Mar a Terra por seu centro”.
O planeta Marte, só é referido em Os Lusíadas, uma única vez como sendo um planeta, na estrofe 89 do Canto Décimo, todas as outras vezes é referido com deus da guerra ou como atributo dos guerreiros. Marte é referido, como entidade mitológica, em oito estrofes do Canto Primeiro, se bem que na estrofe referente à convocação do concílio dos deuses também Marte parte de um dos setes céus, conferindo-se-lhe assim um sentido planetário. O deus da guerra é referido em três estrofes do Canto Segundo, cinco estrofes do Canto Terceiro, duas estrofes do Canto Quarto, duas estrofes do Canto Sexto, duas estrofes do Canto Oitavo, numa estrofe do Canto Nono e em quatro estrofes do Canto Décimo.
Júpiter é referido, tanto como planeta “Num assento de estrelas cristalino” como uma figura mitológica “Estava o Padre ali sublime e dino” na estrofe 22 do Canto I. O mesmo se passa na estrofe 41 do mesmo Canto, quando o poeta afirma que Júpiter decide a favor dos portugueses “Pelo caminho Lácteo glorioso”, numa perspectiva astronómica, para logo lhe associar a perspectiva mitológica “Logo cada um dos Deuses se partiu”. A figura mitológica de Júpiter ainda aparece nas estrofes 23, 24, 27, 30 e 37 do Canto I.
No Canto II, estrofe 33, Júpiter volta a ser referido como planeta “Avante passa, e lá no sexto Céu”, pois de acordo com o modelo Ptolomaico, Júpiter ocupava a sexta esfera celeste, para de imediato lhe atribuir um sentido mitológico “Para onde estava o Padre, se moveu.”, referindo-o como o deus dos deuses. Esta figura mitológica ainda aparece nas estrofes 39, 42, 44, 46, 47, 48 e 56 do Canto II.
Na estrofe 106 do Canto III, Júpiter é referido de novo por Camões como o pai dos deuses “A Júpiter, seu pai, favor pedia”.
O deus dos deuses volta a ser referido na estrofe 51 do canto V, nas estrofes 48 e 54 do canto VII, na estrofe 8 do Canto VIII, na estrofe 91 do Canto XIX, e nas estrofes 7, 82 e 83 do Canto X. Na estrofe 89, Júpiter volta a ser referido como um planeta que se movimenta no grande firmamento:
....
“Debaxo deste grande Firmamento,
Vês o céu de Saturno, Deus antigo;
Júpiter logo faz o movimento”
....
Na astrologia, Júpiter era o grande bondoso, representando a expansividade, a moral e a fortuna. Associado à autoconfiança e ao prestígio social, representava o impulso de benevolência e protecção. Ligado às oportunidades, à filosofia, à religião e aos estudos superiores, Júpiter favorecia todos os assuntos relativos ao estrangeiro e às viagens, bem como a ampliação de nossos conhecimentos e fortuna em todos os sentidos. É exactamente nesta perspectiva que Camões o introduz em “Os Lusíadas”, como bondoso, protector dos portugueses, relacionando-o com as viagens e a ampliação do conhecimento. No entanto não deixa de referi-lo como um astro do firmamento.
Neptuno, na astrologia está associado à psique, ao romantismo, ao sonho e à fantasia. Representa as nossas flutuações, desfavorecimentos, sacrifícios e inspiração artística.
Camões refere-o como figura mitológica nas estrofes 3 e 72 do Canto I. Depois da guerra entre os deuses, que destronou se pai, o mundo foi dividido. Coube a Neptuno o mundo dos mares. É nessa condição que Camões o refere na estrofe 72 do Canto I.
Nas estrofes 2 e 47 do Canto II, Neptuno volta a ser referido, sendo mais uma vez, na estrofe 47, o Senhor das águas:
......
“Tremer dele Neptuno, de medroso
Sem vento suas águas encrespando.”
.....
Na estrofe 51 do Canto III, Neptuno aparece ferindo a terra:
....
“Que Neptuno amostrou ferindo a terra.
Golpes se dão medonhos e forçosos”
....
pois em termos mitológicos/astrológicos, a sua função era ter a supremacia dos oceanos, das ondas e das correntes, mas também provocar tempestades, abalar os rochedos e fazer brotar fontes de água, golpeando a terra com seu tridente.
Neptuno percorria o seu reino num carro puxado por cavalos brancos, sempre seguido pelas nereidas. É esta perspectiva que está presente na estrofe 21 do Canto IV. Neptuno ainda é referido na estrofe 84 do Canto IV como Senhor dos Mares “Co'o salgado Neptuno o doce Tejo” e nas estrofes 11, 15 e 51 do Canto V (Neptuno lá nas águas acendiam ou Banharem-se nas águas de Neptuno, ou A armada de Neptuno, que eu buscava., respectivamente).
O deus do mar, Neptuno, volta a ser referido por Camões na estrofe 8 do Canto VI, quando faz a descrição do seu reino. Refere-se também ao deus do mar nas estrofes 13, 14, 15, 16, 21, 35, 36 e 76 do Canto VI. O mesmo deus do mar aparece no Canto VIII na estrofe 32 e nunca é referido nos Cantos VII, IX e X.
De facto Camões não poderia associar Neptuno a um planeta porque até 1781 só eram conhecidos os planetas até Saturno. Assim sendo, Camões não poderia referir-se a Urano, Neptuno e Plutão como planetas, mas só como deuses.
Saturno, o deus antigo, como lhe chama Camões é referido como planeta na estrofe 89 do Canto X.

A Visão Cosmogónica de Camões

A visão Cosmogónica do autor é apresentada, principalmente, no último canto do poema, quando Tétis mostra a Vasco da Gama a Máquina do Mundo.

"Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assi foi do Saber, alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfícia tão limada,
É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.”

A Máquina do Mundo, segundo Camões, roda em torno do planeta Terra, tal como se representa ainda em 1660 (ver na figura seguinte a representação artística do Universo de Johannes van Loon).
A descrição das órbitas dos andarilhos ou planetas, efectuada por Camões adequa-se perfeitamente à visão grega geocêntrica do universo tal como se referiu anteriormente.
Os filósofos gregos defendiam que, embora o mundo fosse formado por objectos distintos, havia algo de comum na matéria que os compunha. Essa lógica acaba por traduzir-se na teoria dos quatro elementos, que tenderiam, pela sua própria natureza a agrupar-se em esferas. Desta forma a esfera mais pesada ficaria no centro, uma esfera de terra. A esfera de terra no centro é o nosso planeta, a esfera de água continha os mares e os oceanos, a esfera de ar correspondia à esfera da atmosfera, e por fim a esfera de fogo correspondia ao Sol e às estrelas. O círculo de fogo (estrelas e sol) girava em torno dos outros círculos, que constituem o planeta Terra.


Na descrição que Camões faz do Universo, a Terra está no centro, e nos círculos concêntricos que a envolvem estão, de acordo com a maior distância ao nosso planeta, as Estrelas fixas, Saturno, Júpiter, Marte, o Sol (Olho do Céu), Vénus, Mercúrio e por fim a Lua (Diana).

"Debaxo deste grande Firmamento,
Vês o céu de Saturno, Deus antigo;
Júpiter logo faz o movimento,
E Marte abaxo, bélico inimigo;
O claro Olho do céu, no quarto assento,
E Vénus, que os amores traz consigo;
Mercúrio, de eloquência soberana;
Com três rostos, debaxo vai Diana.
Na figura seguinte apresenta-se de forma esquemática a visão ptolomaica do universo.

Veja-se a descrição de Camões na estrofe anterior e compare-se-a com a representação da figura anterior. Essa descrição revela um conhecimento profundo do modelo do Universo vigente na época.
No verso “Júpiter logo faz o movimento” da estrofe anterior, Camões quer referir-se aos epiciclos, do modelo ptolomaico que estão associados a Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno. É essa mesma ideia de epiciclo que leva Camões a afirmar que Júpiter se movimenta entre o quinto e sétimo céu.
Nuno Crato afirma que “é frequente perguntar-se qual seria a sua posição de Camões sobre Nicolau Copérnico (1473–1543), uma vez que a polémica entre os partidários do sistema heliocêntrico proposto por este astrónomo polaco e os defensores do sistema geocêntrico então aceite viria a marcar toda a cosmologia da época seguinte. A verdade, contudo, é que o trabalho de Copérnico veio a lume em 1543 e apenas meia dúzia de astrónomos da época o leram e discutiram. Pedro Nunes, um dos grandes sábios portugueses da época de Camões por exemplo, refere-se-lhe marginalmente em algumas passagens das suas obras, mas sempre como hipótese geométrica explicativa do movimento dos astros.”
Nesse contexto, era muito pouco provável que Camões se assumisse como defensor da teoria heliocêntrica, uma vez que não era astrónomo, ou até mesmo que a essa teoria se referisse, no entanto tinha um conhecimento prático da astronomia ou da observação dos céus dado que se refere às constelações e estrelas difíceis de identificar por tradicionais homens de “letras”. Era costume desde pelo menos os gregos, e tal tradição manteve-se até hoje, agrupar as estrelas da abóbada celeste em figuras com nomes de animais, objectos ou heróis. Veja-se o brilhantismo com que Camões descreve constelações do hemisfério celestial Norte e Sul (estrofe 88 do Canto X):
"Olha por outras partes a pintura
Que as Estrelas fulgentes vão fazendo:
Olha a Carreta, atenta a Cinosura,
Andrómeda e seu pai, e o Drago horrendo;
Vê de Cassiopeia a fermosura
E do Orionte o gesto turbulento;
Olha o Cisne morrendo que suspira,
A Lebre e os Cães, a Nau e a doce Lira.”
Uma vez que as posições relativas das estrelas se mantêm no firmamento por muitos séculos, pode-se afirmar que as constelações que Camões refere em “Os Lusíados”, são as mesmas que ainda hoje observamos. Quem na actualidade consegue identificar a Carreta, Cinosura, Andrómeda, Cefeu, Cassiopeia, Drago, Orionte, Cisne, Lebre, Nau ou Lira?
A Carreta era o nome atribuído à época à Ursa Maior ou Úrsula Maior, por ter uma forma de Carro, enquanto que a Cinosura é a Ursa Menor. De facto, a Ursa Maior aponta para a Ursa menor, como se pode observar na figura seguinte.
A princesa mitológica Andrómeda, é uma constelação do Hemisfério Celestial Norte. As três estrelas mais brilhantes dessa constelação boreal são Sirrah (alfa), Mirach (beta) e Almak (gama). Estão quase em linha recta e equidistantes e encontram-se no prolongamento do quadrado de Pégaso.
Mitologicamente, o pai de Andrómeda é Cefeu. Cefeu é também uma constelação do Hemisfério Celestial Norte sendo a estrela alfa de Cefeu, Alderamin, a mais brilhante. As constelações vizinhas de Cefeu são a Úrsula Menor, Dragão, Cisne e Cassiopeia. Camões conhece essa proximidade e cita-as, todas elas, na estrofe anterior.

Representação da constelação de Andrómeda

Representação das constelações de Orionte, Touto e Lebre
Os Cães que Camões refere, são os cães de Orionte, o Cão Maior e o Cão Menor.
Orionte tem sido objecto de admiração ao longo de todos os tempos. Esta constelação, conjuntamente com a Úrsula Maior e as Plêiades, é das constelações com referências mais antigas. Com excepção da "Carreta" - Úrsula Maior, o "cinturão de Orionte" é provavelmente o mais conhecido e o mais popular de todos os grupos estelares. Popularmente chamam a essa grupo de três estrelas "as três Marias" ou "os três Reis Magos". Nos catálogos antigos, Orionte é representada por um caçador brandindo um maço (como lhe chama Camões – gesto turbulento”), enfrentando o Touro celeste. Tem aos pés a Lebre e seguem-nos o Cão Maior e o Cão Menor.
No Hemisfério Celestial Norte é ainda possível observar as constelações de Cisne e de Lira que Camões refere na estrofe anterior e esquematizadas nas figuras seguintes. No entanto, a Lebre, é uma constelação do Hemisfério Celestial Sul, logo ao sul do equador celeste.
O verso “Olha o Cisne morrendo que suspira” tem também sentido mitológico, onde Camões junta, como é hábito, as duas vertentes: a astronómica e a mitológica. Por outro lado, é a forma poética que encontra para falar da constelação de Gémeos. Para melhor se entender essa assumpção, atenda-se à história da princesa Leda.
Leda era uma jovem e bela princesa, recém-casada com Tíndaro, herdeiro do reino de Esparta. Gostava de deitar-se na relva, apreciando o canto dos pássaros e expunha o seu corpo aos raios do sol, sob olhares indiscretos dos deuses.
Certa vez, Zeus ia a caminho da cidade de Tróia e encontrou Leda deitada seminua na relva e parou para contemplá-la de longe. Temendo assustá-la com sua figura gloriosa e resplandecente, converteu-se num cisne imenso para poder cortejá-la.
Ao ver o belo cisne, Leda senta-se e começa a observá-lo. O Cisne mostra grande excitação e desejo, através de uma dança. Leda estava fascinada e o cisne aproximou-se mais e começou a tocá-la e acariciá-la com as suas plumas e o seu longo pescoço.
Excitada, Leda deitou-se novamente na relva e aguardou que o cisne se deitasse sobre ela, para se amarem.
Alguns meses depois a princesa sente fortes dores e percebe que do seu ventre saíam dois ovos: do primeiro, nasceram Castor e Helena e do segundo, Pólux e Clitemnestra. Hera, irmã e esposa de Zeus, com ciúmes, persegue e proíbe Leda de viver no reino. Zeus para compensar Leda, converteu-a em deusa e reservou-lhe um espaço no céu, na forma de uma estrela na constelação de Cisne.
Os filhos de Leda e Zeus, Castor e Pólux, tornam-se grandes guerreiros e amigos inseparáveis. Todavia Castor, que herdou a mortalidade humana da mãe, perde a vida numa batalha e Pólux, que herdou a imortalidade divina do pai, suplica a Zeus que devolva a vida do seu irmão. Comovido com esta demonstração de amor fraterno, Zeus propõe a Pólux dividir sua imortalidade, alternando com o irmão um dia de vida e um dia de morte.

Representação das constelações do Cisne e Lira

Assim os irmãos passaram a viver e a morrer alternadamente e Zeus homenageou-os com a constelação de Gémeos, na qual não poderiam ser separados nem com a morte.

Representação das constelações de Gémeos e Lira

A Nau, referida por Camões é provavelmente constelação do Navio, e na idade média chamada de Argos, referida, crê-se que pela primeira vez, no Almagesto de Claudio Ptolomeu (127-145 d.C.) naquele que é um dos mais importantes catálogos estelares, uma fabulosa obra composta por 13 volumes e onde estão referidas 1022 estrelas de 48 constelações distintas, sendo 12 zodiacais, 21 ao Norte e 15 ao Sul, inclusive as quatro estrelas principais do Cruzeiro do Sul, na época pertencentes à constelação do Centauro. Essa possibilidade torna-se mais pertinente, porque Camões sabe-o, pois escreve na estrofe 85 do Canto IV:

“Elas prometem, vendo os mares largos,
De ser no Olimpo estrelas, como a de Argos”

Mitologicamente a Nau Argos foi posta entre as constelações por Minerva, conhecedor da mitologia grega como era, Camões teria certamente conhecimento desse facto.


Representação das constelações do Navio, Cães, Lebre e Orionte.

Assim, quando Camões canta o firmamento, já muitas das constelações eram conhecidas, todavia conhecê-las quase todas e bem, exigiria um conhecimento profundo dos céus. O mais assombroso é que numa só estrofe (a estrofe 88 do Canto X) Camões refere directa e indirectamente quinze constelações : Carreta (Úrsula Maior), Cinosura (Úrsula Menor), Andrómeda, Cefeu (seu pai), Dragão (Drago), Cassiopeia, Orionte, Touro (direcção do gesto turbulento de Orionte), Cisne, Gémeos (Cisne morrendo que suspira), Lebre, Cão Maior, Cão Menor (os Cães), Argo Navis (Nau) - actualmente dividido em Quilha, Popa e Vela, e Lira.
Porquê chamar à constelação do Dragão, Drago horrendo, quando todas as outras menções revelam harmonia? Tal pode tanto dever-se as aspectos mitológicos, como a aspectos astrológicos. Em Camões, tal como referido anteriormente, estes aspectos andam misturados.
Para comemorar o casamento de Zeus com Hera, Gaia, a Mãe-Terra, ofereceu à rainha dos deuses uma macieira que produzia frutos de ouro. Não sabendo onde guardar tão precioso presente, Hera decidiu plantá-lo no Jardim das Hespérides (as Ninfas do Poente), o lugar mais distante do mundo (segundo a então geografia grega), no noroeste de África. A deusa percebeu que as ninfas não poderiam proteger sozinhas a macieira sagrada, decidindo pô-la a guardar também o dragão Ládon, filho de Tífon e Équidna.
Como último de seus Doze Trabalhos, o herói Héracles foi enviado para colher as maçãs divinas. Mas, não tendo conseguido derrotar o dragão, Héracles contou com a ajuda do Titã Atlas, que matou Ládon e trouxe as maçãs para Héracles.
Zeus elevou o dragão ao céu, transformando-o numa constelação. Para Héracles, também depois de morto, foi criada uma constelação com seu nome, postada diante do Dragão, ajoelhado frente a ele e ameaçando-o com a clava (como que a golpeá-lo). O Drago horrendo de Camões poderá estar relacionado com esta lenda grega. Se assim for, na estrofe anteriormente referida, Camões também se refere indirectamente à Constelação de Hércules.
A constelação de Hércules é uma extensa constelação a Oeste de Lira.
Nas culturas ancestrais, o Sol é representado de muitas maneiras, personificando um pastor, um guerreiro, um caçador, um cavalo ou uma águia. Por outro lado, a escuridão, o inimigo do Sol, pode tomar a figura de um enorme dragão, de uma serpente ou de um escorpião. Assim, o Dragão era visto como um ser horrendo, capaz de devorar o Sol ou a Lua, tal explicava os seus eclipses.
Imagem que se segue, de 1540, é de um disco móvel que fornece as regras para predizer os eclipses do Sol e da Lua.
No dispositivo representado na figura seguinte, um dos discos contém um dragão de múltiplas cabeças e um eclipse parcial do Sol. Essa imagem é extraída do Astronomicum caesareum, de Petrus Apianus, publicado em 1540 pelo Observatório de Paris.
No contexto da estrofe 88 do Canto X, não se crê que Camões se refira à constelação do Dragão como Drago horrendo, sem qualquer sentido astronómico: indicar a constelação de Hércules ou referir a existência de fenómenos astronómicos como os eclipses do Sol e da Lua.
Não é só no Canto X, com a descrição das órbitas dos planetas ou das constelações dos dois hemisférios celestiais que Camões revela o seu domínio da astronomia. “Os Lusíadas”, estão, como afirma Nuno Crato, salpicados de referências eruditas, mas saborosas.

Camões conhece o astrolábio e a sua complexidade (estrofe 25 do Canto V):

A maneira de nuvens se começam
A descobrir os montes que enxergamos;
As âncoras pesadas se adereçam;
As velas, já chegados, amainamos.
E para que mais certas se conheçam
As partes tão remotas onde estamos,
Pelo novo instrumento do Astrolábio,
Invenção de subtil juízo e sábio.
É quase impossível ler e compreender as múltiplas referências astronómicas de Camões nos Lusíadas sem perceber um pouco de astronomia medieval. E seria impossível a Camões escrever o que escreveu se não tivesse um domínio muito completo da difícil cosmologia da época. Tal como é típico, no Renascimento, Camões convocou para a sua obra todo o conhecimento quer científico quer erudito.
A doutrina de Ptolomeu, que Camões convoca para a sua obra não foi uma pura fantasia, foi uma verdadeira teoria científica, que se prestava admiravelmente aos cálculos astronómicos e se manteve enquanto esteve de acordo com os resultados da observação. Esta só foi abandonada com os “aperfeiçoamentos de Copérnico, Keppler e Newton cujos trabalhos marcaram as transformações sucessivas da ciência astronómica. Assim, a astronomia presente em Os Lusíadas ou na Obra de Camões representa a ciência do seu tempo, que Camões adquiriu com o seu «honesto estudo».
As indicações astronómicas são sempre feitas pelo poeta numa forma bela e concisa, e com perfeito rigor.
Ia descuberto tinhamos diante
La no novo Hemisperio nova estrella,
Não vista de outra gente, que ignorante
Alguns tempos esteve incerta della:
Os versos anteriores relatam o reconhecimento do Cruzeiro do Sul. A descoberta desta constelação e do seu uso náutico revela o saber dos nossos marinheiros. Camões enaltece este honroso facto, que importa tornar bem conhecido.
Na estrofe 15 do Canto V, diz Camões:
Assi, passando aquelas regiões
Por onde duas vezes passa Apolo,
Dous invernos fazendo e dous verões,
Em quanto corre dum ao outro Pólo,
Por calmas, por tormentas e opressões,
Que sempre faz no mar o irado Eolo,
Vimos as Ursas, a pesar de Juno,
Banharem-se nas águas de Neptuno.
“Quando se viaja para Sul, estas constelações vão-se aproximando do horizonte, mergulhando progressivamente no mar, até se tornarem invisíveis. É esse o fenómeno que Camões descreve e que se ilustra na imagem seguinte.

A partir do equador, todas as estrelas da constelação da Ursa Maior ou Ursa Menor mergulham no horizonte, embora todas tenham ocaso e nascimento. Mas a partir de que latitude Sul se deixa de ver a Ursa Maior? Na estrofe seguinte (estrofe 72 do Canto VIII), Camões refere os povos que nunca as sete flamas viram, referindo-se às sete estrelas que compõe a Ursa Maior ou às setes estrelas que compõe a Ursa menor.
Crescendo cos sucessos bons primeiros
No peito as ousadias, descobriram,
Pouco e pouco, caminhos estrangeiros,
Que, uns sucedendo aos outros, prosseguiram.
De África os moradores derradeiros,
Austrais, que nunca as Sete Flamas viram,
Foram vistos de nós, atrás deixando
Quantos estão os Trópicos queimando.
A partir de 30ºS (antes mesmo de passar o cabo da Boa Esperança), algumas das estrelas da constelação de Ursa Maior já são invisíveis e as restantes erguem-se muito pouco acima do horizonte, deixando a constelação de poder ser identificada. Esse facto trás consigo um novo problema para a navegação, pois é possível desde então perder-se o Norte. O termo desnorteado por vezes tem o mesmo significado que desorientado, todavia, tem é usado para dar um sentido mais profundo ao conceito de perdido. Esse termo surge associado à dificuldade de navegar sem ter o norte como referência.
Com a navegação no hemisfério Sul, tanto se deixavam de ver as ursas, como também Arcturo, a brilhante estrela da constelação de Boieiro que estava de guarda às ursas para que não se afastassem do gélido pólo. O vocábulo «Árctico», que significa «norte», e Arcturo têm a mesma origem grega. A referência ao Árctico, através da estrela Arcturo é feita num verso da estrofe 21 do Canto I: “Os que habitam o Arcturo congelado”.
Camões também usa outros artifícios para se referir ao pólo Norte, referindo por exemplo Calisto (estrofe 51 do Canto I), que não é mais do que a constelação da Ursa Maior, em vez de Árctico ou pólo Norte.
Do mar temos corrido e navegado
Toda a parte do Antártico e Calisto,
Toda a costa Africana rodeado,
Diversos céus e terras temos visto;
Dum Rei potente somos, tão amado,
Tão querido de todos, e benquisto,
Que não no largo mar, com leda fronte,
Mas no lago entraremos de Aqueronte.
Na mitologia grega, Calisto era filha do Rei da Arcádia, tendo sido eleita quando ainda era criança, para ser umas das companheiras de Artemis. Artemis era irmã de Apolo, padroeira do nascimento e protectora dos recém-nascidos e mamíferos. Quando Artemis descobriu que Calisto estava grávida de Zeus, vingou-se dela. Como adorava caçar; transformou-a numa Ursa e perseguiu-a, daí a associação entre a Ursa Maior e Calisto.
Quanto mais se lê Os Lusíadas, mais se aprende a amá-los e a respeitá-los, bem como ao seu autor que transparece como sábio e iluminado. Os Lusíadas São uma epopeia, uma obra de astronomia medieval e uma escrita-poesia singular.

Ano Internacional da Astronomia - Dia 364


Rigel e Nebulosa da Bruxa.

Ano Internacional da Astronomia - Dia 363


Poeiras e Nebulosa da Hélice.

2009-12-28

Ano Internacional da Astronomia - Dia 362


Metamorfose.

Ano Internacional da Astronomia - Dia 361


A mão cósmica da destruição.

Ano Internacional da Astronomia -Dia 360


Mancha solar reproduzida por computador.

2009-12-26

Ano Internacional da Astronomia - Dia 359 "Brasão de Miranda do Douro"

Isabel Neves e Félix Rodrigues

Miranda do Douro é uma cidade de Trás-os-Montes, sede de concelho e do distrito de Bragança. Está situada na parte mais meridional dessa região, sobre a margem direita do rio Douro, que a separa da província de Leão em Espanha, em terreno montanhoso e alcantilado.
O padre António Carvalho da Costa, na obra Coreografia Portuguesa, bem como outros escritores Portugueses, afirma que Miranda foi uma cidade importantíssima no tempo dos romanos, que lhe deram o nome de Conticum, depois, Paramica, e por fim, Seponcia. Conquistada pelos Árabes em 716, recebeu o nome de Mir-Andul, que depois se adulterou para o actual de Miranda.
Durante as guerras entre os Lusitanos e os Árabes essa cidade foi tomada e destruída, de tal forma que no tempo do conde D. Henrique, estava em completo estado de ruína e quase deserta. Foi nesta miserável situação que D. Afonso Henriques a encontrou, o qual vendo a importância militar e estratégica deste ponto, não só por ser fronteiro aos turbulentos Leoneses, com quem teve várias encarniçadas lutas, tratou de a tornar uma praça de guerra, construindo-lhe um forte castelo e uma pequena cerca de muralhas, em 1136. O castelo mandado edificar tinha uma porta e um postigo, e as muralhas três portas. D. Fernando I fez cunhar moeda em Miranda, usando a letra M como distintivo, posta em cima do escudo das quinas.
Miranda do Douro é sede de um município com 488,36 km² de área e 8 048 habitantes (2001), subdividido em 17 freguesias. O município é limitado a nordeste e sueste pela Espanha, a sudoeste pelo município de Mogadouro e a noroeste por Vimioso.
O brasão de Miranda do Douro é constituído por um escudo de ouro, com um castelo de vermelho aberto e iluminado de prata. A torre central encimada por um crescente de vermelho apontado ao centro do escudo. A coroa mural de prata tem cinco torres. Possui ainda um listel branco, com os dizeres a negro: " CIDADE DE MIRANDA DO DOURO ".
O actual brasão municipal de Miranda do Douro, inspira-se no antigo brasão da localidade, consistindo num escudo coroado, tendo ao centro um castelo com três torres e sobre a torre do meio a lua em quarto crescente, com as pontas para baixo. A fortaleza, dizem, que comemora a fundação da cidade, que teve princípio no seu castelo, e a lua em crescente significa a esperança, ou o prognóstico, do engrandecimento sucessivo da povoação.

As armas concedidas a Miranda por D. João III, em 10 de Julho de 1545, quando eleva a povoação a cidade, a vila de D. Dinis, eram um castelo tendo ao centro a lua em quarto crescente e com as pontas viradas para baixo. Queria isto dizer que Miranda era praça de armas, significando o crescente o desejo de a ver engrandecida cada vez mais, já que a sua Igreja de Santa Maria fora elevada a Sé por bula de 22 de Maio daquele ano.
O ouro indicado para o campo é o metal mais rico em heráldica e significa fidelidade, constância e poder. O castelo e crescente são de vermelho por ser o esmalte que significa vitória, ardis e guerra. E o castelo aberto e iluminado de prata porque é o metal que significa humildade e riqueza.
No antigo brasão de Miranda do Douro, a Lua está na mesma posição, mas acima da torre mais alta, dando uma sensação de afastamento que não surge no brasão actual onde o “crescente parece pousado sobre a torre.
Na figura seguinte, reproduz-se uma gravura da obra “As Cidades e Villas da Monarquia Portugueza” que tem Brasão d'Armas de Miranda do Douro (III vols., 1860-62; data na capa do vol. I, 1865, de Inácio de Vilhena Barbosa -1811 a 1890).
Na linha do equador o Quarto Minguante tem a forma de um U enquanto que o Quarto Crescente tem a forma de um “U invertido”, assim sendo, a lua do brasão de Miranda do Douro representa um crescente visto noutra localização que não o da cidade. Tal representação também aparece noutros brasões de vilas e cidades portuguesas.

Ano Internacional da Astronomia - Dia 358 "Brasão de Alcobaça"

Isabel Neves e Félix Rodrigues

Em termos administrativos, o concelho de Alcobaça integra-se na Nut III do Oeste, na qual se insere na Região Centro (Nut II). A nível distrital, Alcobaça pertence ao distrito de Leiria.
O concelho de Alcobaça faz fronteira: a Norte com a Marinha Grande; a Sul com Rio Maior e Caldas da Rainha, a Este com Porto de Mós e Leiria e a Oeste com a Nazaré.
Alcobaça é uma cidade portuguesa pertencente ao Distrito de Leiria, região Centro e sub-região do Oeste. A cidade dista cerca de 109 km da capital Lisboa, situando-se entre três cidades maiores: Caldas da Rainha, Marinha Grande e Leiria.
É sede de um município com 417,05 km² de área e 55 597 habitantes (2006), subdividido em 18 freguesias.
Alcobaça é banhada pelos rios Alcoa e Baça, nomes, de cuja aglutinação, a tradição faz derivar o seu nome - o que está longe de ser consensual. Foi elevada a cidade em 1995.
Alcobaça, perfeitamente integrada no contexto geral da Estremadura Litoral a Norte do Tejo, encerra testemunhos de ocupações humanas de épocas bem remotas. Dos abundantes vestígios paleolíticos de Castanheira e Montes às numerosas ocupações dos primeiros agricultores pastores que ocuparam as grutas do Carvalhal de Aljubarrota, não faltam provas da presença dos primeiros homens nesta região. As grutas de Carvalhal de Aljubarrota (Cabeço da Ministra e Calatras), ocupadas para enterramentos ou como locais de ocupação temporária, são alguns exemplos.
As primeiras sociedades de metalurgistas do Calcolítico também deixaram as suas marcas, ao longo do 3º milénio a .C. Ervideira, as grutas do Carvalhal de Aljubarrota e o Algar de João Ramos são alguns dos locais onde a sua presença foi detectada. Os achados de machados e pontas de lança de cobre no Carvalhal de Turquel, em Évora de Alcobaça, Fonte Santa, Casais de Santa Teresa, Carris e na gruta X de Cabeço Rastinho também contribuem para reafirmar uma forte presença neste período.
A Idade do Bronze, em subsequência cronológica directa do Calcolítico, com uma cronologia que se estende de 1800/1700 a. C. à transição dos séculos VIII/VII a.C., revela-nos uma região de forte substrato calcolítico, principalmente no seu período inicial. Os hábitos sepulcrais apontam para a reutilização de locais de enterramento anteriores, designadamente em Carvalhal de Aljubarrota. Do final deste período, o Bronze Final, conhecem-se vários achados que comprovam ligações culturais com as comunidades do chamado Bronze Atlântico. Destacam-se, neste caso, os machados de dois anéis de Carvalhal de Aljubarrota, Fonte Santa, Carris e da gruta de Redondas.
Entre os meados do século VIII a. C. e meados do século V a. C., desenvolve-se, no extremo ocidental peninsular um ambiente cultural de influência mediterrânica que conta com o contributo de fenícios, gregos e cartagineses. É a chamada 1ª Idade do Ferro. Este ambiente cultural, conhecido sob a designação de “horizonte orientalizante”, é testemunhado, em Alcobaça, pelas fíbulas de Parreitas, dos séculos VIII/VII a. C.
A convencionalmente chamada 2ª Idade do Ferro caracteriza-se por grandes alterações na geografia étnica, processo intimamente relacionado com as deslocações de povos de origem indo-europeia para Ocidente, mas também com a decadência do horizonte fenício. É assim que os túrdulos, herdeiros étnicos e culturais de Tartesso, e na sequência da decadência deste potentado, terão empreendido expedições para regiões peninsulares mais setentrionais, tendo fundado novos povoados, entre os quais Collipo (S. Sebastião do Freixo) e Eburobrittium (nas cercanias de Óbidos). Esta chegada de novas comunidades terá significado a introdução ou a generalização de inovações técnicas, das quais se destaca a metalurgia do ferro.
Também os romanos marcaram uma forte presença na região de Alcobaça, onde terão estado de forma mais perene a partir do século II a .C. Deles nos ficaram valiosos vestígios, dos quais se destacam o povoado de Parreitas, a vila de Póvoa de Cós e todo um conjunto de ocupações menores ainda por investigar.
Visigodos, com presença reconhecida em S. Gião da Nazaré, e muçulmanos, dos quais nos chegam referências vagas que os situam em Alfeizerão e na Torre de D. Framondo, pouco sabemos com segurança.
Já o mesmo não se pode afirmar do período medieval cristão, nitidamente marcado pela presença da Ordem de Cister.
No período de reconquista cristã e de formação do reino, D. Afonso Henriques terá conquistado as terras de Alcobaça aos muçulmanos por volta de 1148. Com a carta de doação de 8 de Abril de 1153, inaugura-se um longo período que irá durar até à extinção das ordens religiosas, já no século XIX, período esse ao longo do qual foi ganhando forma um imenso complexo arquitectónico, o Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. Em torno deste, ganhou forma um território estruturado que beneficiou desta imensa fonte de saber monacal. Desenvolveram-se as granjas e quintas, levou-se por diante a conquista das pedregosas encostas da serra, com a introdução sistemática da oliveira, desenvolveram-se os sectores industriais com recurso à energia hidráulica. Enfim, foi-se definindo um território que ainda hoje é conhecido pelo nome de Coutos de Alcobaça.
O Brasão de Alcobaça é constituído por um escudo de vermelho, uma torre de ouro assente num contra-chefe de cinco faixetas ondeadas, três de prata e duas de azul, acompanhada por dois crescentes de ouro; chefe de azul, carregado de três flores-de-lis de ouro. Escudo cercado pelo colar da Ordem militar de Torre e Espada do valor, lealdade e mérito. Coroa mural de prata de cinco torres. Listel branco com os dizeres a negro : "ALCOBAÇA".

O chefe de azul com três flores-de-lis (generosidade, honra, realeza) de ouro: extraídos do brasão da Ordem de S. Bernardo, que também se adoptou por constituírem as armas de França, donde era natural e onde se fundou a sua Ordem.
A torre e os crescentes: como representantes da sua existência quando foi incorporada no território português.
As cinco faixas ondeadas de prata e azul: representam o rio Alcoa e o rio Baça, que em conjunção formam o nome da localidade.
A torre tem seu desenho próprio, não devendo ser confundida com um castelo.
Na heráldica a figura da flor-de-lis tem muita importância, não só porque simboliza e fixa características ligadas à família, pessoas, locais, como por ser uma peça constantemente encontrada nos brasões franceses, isto por ter sido este o símbolo da sua monarquia. A flor-de-lis é símbolo de poder e soberania, assim como de pureza de corpo e alma, candura e felicidade. A origem do símbolo é muito controversa e o que se sabe é que surgiu recentemente. Sabe-se tambémque foi usada nas armas da França em 496, na vitória de Tolbiacum (Zulpich), onde os francos de Clodoveu, derrotaram os alemães e coroaram-se de lírios. O seu desenho era colocado no manto de reis já na época pré-cruzadas, na indumentária de luxo dos reis de armas, nos pavilhões, nas bandeiras e, ainda hoje, em vários brasões de municípios franceses.
Garcia IV, rei de Navarra, que viveu pelo ano de 1048, passou a adoptar o desenho da flor-de-lis como símbolo de seu reinado, após ter visto uma imagem de Nossa Senhora desenhada no fundo de um lírio e logo após se ter curado de uma grave enfermidade. No ano de 1125, a bandeira da França apresentava um campo semeado de flores-de-lis, o mesmo acontecendo com o seu brasão de armas até o reinado de Carlos V (1364), quando estas passaram a ser apenas em número de três. Este rei adoptou oficialmente o símbolo como emblema, para honrar a Santíssima Trindade.
Outros historiadores relatam que antes disso o símbolo começou a ser utilizado no reinado de Luiz VII, o Jovem (1147), e como emblema da cidade de Florença. Além disto, aparece em numerosos brasões desde o século XII. Quanto a este rei, foi ele o primeiro dos reis da França a servir-se desse desenho para selar suas cartas patentes, principalmente devido à alusão ao seu nome Luiz, que então se escrevia "Loys". Os reis Felipe Augusto e S. Luiz, conservaram o lis como atributo real, que os seus descendentes perpetuaram.
À semelhança de outros municípios portugueses, Alcobaça tem dois crescentes no brasão e bandeira. Também se encontram dois crescentes, em forma de U, nos brasões de Alverca do Ribatejo e Vila de Borba, e dois crescentes presentes no brasão da Cidade de Queluz, mas em forma de C.
No simbolismo da Cabala, por vezes, aparecem representadas duas luas e dois sóis, como a figura medieval seguinte, onde um homem e uma mulher seguram sobre os seus ombros um globo. O do homem contem o sol nascente e o sol poente e o da mulher, duas luas o nascente e o ocaso deste astro.
Apesar de ser nítida a associação do homem ao sol e da lua à mulher, como era típico na Idade Média, essa representação traduz também ensinamentos da natureza, como o nascimento e o ocaso dos astros do firmamento.


Desde sempre que os humanos se sentiram “envoltos por forças misteriosas” que os sujeitavam a riscos e perigos. Assim, tiveram necessidade de recorrer ao sobrenatural para se protegerem desses inimigos e das manifestações maléficas do cosmos. Foi na procura de objectos e imagens que o defendessem que este criou símbolos para poder entrar em sintonia com os seres divinos de forma a ter alguma protecção.

Ano Internacional da Astronomia - Dia 357 "Siência para todos"

Luis Miguel Bernardo

Numa época em que ainda persistia a ideia da incompatibilidade entre a religião e a ciência, o padre portuense Amadeu Cerqueira de Vasconcelos (1878-1952) foi capaz de conciliar as actividades de divulgador científico com as de apologista do catolicismo, lutando assim contra “a apregoada antinomia entre a ciência e a fé”.

Amadeu de Vasconcelos era filho de um professor primário, Lionídio Cerqueira de Vasconcelos, que foi director e proprietário do Campeão Escolar, um jornal fundado em 1904, um baluarte na defesa dos interesses dos professores primários e da educação, em geral, e uma voz crítica das políticas de ensino primário em Portugal.
Amadeu de Vasconcelos viveu longos períodos da sua vida em Paris e aí escreveu e publicou vários dos seus livros e artigos ─ em Português e Francês ─ em prol da ciência, contra a maçonaria e a favor do catolicismo e de um nacionalismo original. Como se pode ler na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira este padre “tratou os mais variados assuntos culturais, artísticos, políticos e doutrinários com inegável brilho e grande competência”. Foi director do jornal católico Novidades, durante 14 anos e em 1948 professou na Ordem Beneditina com o nome de Padre Amadeu de Nossa Senhora. Recolheu-se então ao Convento de Singeverga tendo colaborado intensivamente no Mensageiro de S. Bento ─ Revista Beneditina e Missionária, que iniciou a publicação em 1948. No primeiro artigo que escreveu nesta revista, em Dezembro de 1949, intitulado Portugal Arauto do Evangelho e da Ciência, defendia o pioneirismo de Portugal na criação da ciência moderna, uma tese que preparava e que veio a apresentar, por intermédio da Sociedade de Geografia de Lisboa, num congresso internacional de geografia realizado em 1952, em Washington. Nos restantes artigos que publicou no Mensageiro de S. Bento tratou apenas temas relacionados com a história e a actividade religiosa ou missionária da sua ordem.
Para além de um escritor prolífico, O padre Amadeu de Vasconcelos foi crítico severo da sociedade civil e eclesiástica do seu tempo.
No Porto, teve acesas polémicas com as autoridades episcopais, os professores do seminário, o secretário do bispo e o próprio bispo. As agressões verbais e escritas chegaram a tal ponto que o secretário episcopal o padre Manuel Pereira Lopes ─ um jovem arrogante e pedante, acabado de regressar de Roma com um doutoramento em Teologia ─ prometeu ajustar contas com o incómodo padre ameaçando “partir-lhe a cara em plena rua”. A ameaça, prometida e muito anunciada, concretizou-se no dia 2 de Julho de 1907. O próprio bispo D. António Barroso rematou a agressão física com uma agressão moral: “uma pena de suspensão de 30 dias”, que foi muito criticada nos jornais da época e que reforçou o sentimento anti-clerical que então existia no Porto e em quase todo o país. O padre Amadeu de Vasconcelos não se resignou com tais humilhações, como o demonstram os vários artigos, que publicou na imprensa, e os manuscritos, que tencionava publicar em 1908 e nos quais revela dramaticamente a sua revolta contra o “cynismo” do bispo e o “pedantismo” do seu secretário “bruta-montes”.
Muitos foram os assuntos que abordou na sua extensa obra escrita. Publicou livros de crítica social, política, filosófica e religiosa: A Universidade Antagónica do Espírito Moderno (compilação de 7 artigos saídos em A Voz Publica, 1908), A Mentalidade dos Livres Pensadores Portugueses (cartas, 1912), Os Meus Cadernos (publicação semanal/quinzenal, 1913-16, 1919, 1923-25) ─ obra esta que influenciou o movimento nacionalista do integralismo lusitano, embora tivesse criticado António Sardinha em O Nacionalismo Rácico do Integralismo Lusitano (1917) ─, A Vida Intelectual de Paris (quinzenal, 1922), Paris: Rempart de l'Esprit Quand Même (1941), Fim da Civilização Ocidental e Nascimento da Civilização Ecuménica (1942), L’Age Maçonnique, Idade Maçónica (1943), O sr. Júlio Dantas : Rosseau e "os Seus Cadernos" (1945).
No que respeita à divulgação científica, a sua actividade foi igualmente notável. Publicou vários livros, panfletos e artigos que contribuíram certamente para elevar o nível da cultura científica portuguesa. Podem ler-se alguns dos seus artigos em jornais como o Campeão Escolar, O Bem Publico e A Voz Publica. Entre os seus livros contam-se três volumes do Anno Scientifico e Industrial referentes aos anos de 1903, 1904 e 1905, publicados respectivamente em 1904, 1905 e 1906, O Radium (1907), A Telegrafia sem Fio (1907), A Aerostação (1908), A Aviação (1909), A Conquista dos Pólos (1910), Os Cometas (1910), Qual é a Forma da Terra (1915), O Ar Liquido e Os Submarinos (1916). Foi director e redactor único de revistas de divulgação científica como Universo (quinzenal, 1909) e Sciencia para Todos (1910, 1925). Escreveu ainda livros didácticos que foram adoptados no ensino oficial: Lições Praticas de Sciencias Naturaes, Noções de Physica (em colaboração com Eduardo Ferreira dos Santos Silva, 1906) e Lições Practicas de Physica (1919). Todas estas obras tiveram várias edições.
O padre Amadeu de Vasconcelos, que também usou os pseudónimos Mariotte e Remy Lusol, era um homem recto, conservador, nacionalista, defensor da verdade e, nas suas próprias palavras, “desconhecia a cobardia”. A ciência ─ cujo objectivo único é a busca da verdade ─ encontrou nele um divulgador notável merecendo por isso todo o nosso respeito e admiração.

Ano Internacional da Astronomia - Dia 356 "Properties of Matter"

Félix Rodrigues

Properties Of Matter é a segunda edição de um livro de F.C. Champion e N. Davy, publicado pela Backie & Son Limited em 1953.
Esse livro foi e é altamente recomendado as estudantes de licenciatura e mestrado em física de todo o mundo. É uma obra suficientemente detalhada capaz de permitir um entendimento profundo das questões da física terrestre e planetária.
No que respeita a astronomia e astrofísica o livro possui vários capítulos de interesse, nomeadamente o capítulo II referente à aceleração da gravidade e o capítulo III referente à constante da gravitação Universal de Newton.

Ano Internacional da Astronomia - Dia 355 "Imagem de Nossa Senhora da Conceição"

Alfredo Borba e Félix Rodrigues

Nas cortes celebradas em Lisboa no ano de 1646, el-rei D. João IV, declarou que tomava a Virgem Nossa Senhora da Conceição por padroeira do Reino de Portugal e Rainha de jure. Não foi D. João IV o primeiro monarca português que colocou o reino sob a protecção da Virgem, apenas tornou mais permanente uma devoção, a que os nossos reis se acolheram algumas vezes em momentos críticos para a pátria, desde o reinado de Dom Afonso Henriques, que venerava a Nossa Senhora da Oliveira à qual mandou ereger a Catedral de Guimarães, a evocação de Maria mais antiga de Portugal. A imagem de Nossa Senhora da Oliveira é uma obra que retrata uma Nossa Senhora sozinha, sem menino, e de mãos postas.
A coroação de Maria como Rainha de Portugal aconteceu num momento em que a legitimidade da casa reinante e a independência do país era questionada por outros países que não tinham sido reconhecidos pelo Papa, dominado pela casa de Espanha.
A imagem tradicional de Nossa Senhora da Conceição, inspirada numa obra de Murillo (La Immaculada de El Escorial, 1618-1682) coloca a Virgem sobre uma meia-lua e um globo (ver imagem seguinte), no entanto, existem muitas variações desta representação que alguns especialistas de arte sacra associam a um determinada época.
Provavelmente, a primeira representação da concepção de Maria (cujo termo se foi degenerando passando de Concepção para Conceição) personificada numa mulher, aparece na obra de Carlo Crivelli em 1492, hoje propriedade da National Gallery inglesa. Nela pode-se observar uma mulher com as mãos postas, e sobre ela, dois anjos que erguem uma faixa onde se lê: Ut in mente Dei ab initio concepta fui ita facta sum (na mente de Deus desde o início fui concebida e assim fui feita).


A Imaculado do Escorial de Bartolome Esteban Murillo
Na figura seguinte apresenta-se uma representação de 1648, de Nossa Senhora da Conceição tal como era vista na época.

Nossa Senhora Rainha de Portugal

Se repararmos na imagem anterior muitos desses elementos se mantiveram associados à Imaculada Conceição até ao século XVII, quando Nossa Senhora da Conceição é declarada Padroeira e Rainha de Portugal. Já nessa altura os espanhóis tinham baptizado uma das caravelas da carreira das Índias Ocidentais com o nome de “Nuestra Señora de la mui límpida y pura conceptión”.
A cor do manto e da túnica da Virgem Maria, tem variado ao longo dos tempos. No inicio da era cristã, o manto passou a ser uma vestimenta que envolve as imagens das diferentes manifestações da Virgem Maria. Na imagem de Nossa Senhora da Misericórdia, do século XV, esta tem um vasto manto azul celeste aberto que abriga representantes de todos os grupos sociais. Também no século XV apareceu no ocidente o ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, com o seu manto azul e dourado sobre uma túnica vermelha, presumivelmente de origem grega. A túnica vermelha de Maria significava que ela pertencia à genealogia dos reis da Casa de David. A imagem de Nossa Senhora da Conceição da figura anterior tem esses ícones: manto azul e túnica vermelha.
A imagem de pedra de Nossa Senhora da Conceição do Museu de Angra do Heroísmo possui um manto azul e uma túnica branca, com semelhanças com a representação de Murillo, o que nos leva a pensar numa data posterior à da eleição de Nossa Senhora da Conceição como Padroeira e Rainha de Portugal, pois nessa altura a Virgem era representada com uma túnica vermelha e como adiante explicaremos. O manto azul dessa imagem tem uma distribuição homogénea de estrelas apenas na parte da frente do manto, desenhadas com pouca habilidade.
Em 1830, Santa Catherine Labouré faz uma descrição da Virgem como tendo um manto azul sobre uma túnica branca. Alguns anos mais tarde, em França, a descrição de Nossa Senhora de Lourdes, por Santa Bernadette, é de uma Senhora com um manto e túnica branca contendo à cintura uma fita azul. No século XX, os pastorinhos de Fátima descrevem a Virgem, em Portugal, como tendo um manto branco sobre uma túnica branca, tendo desaparecido a fita azul. O branco é um símbolo da pureza de Maria.
Relativamente a Nossa Senhora de Fátima, a descrição de Lúcia, aos 94 anos de idade era a seguinte: Em cima de uma azinheira, viram uma Senhora de branco, mais brilhante do que o sol. “Ela emanava uma luz mais clara e intensa que um copo de cristal, cheio de água cristalina, atravessado pelos raios do sol mais ardente”. Há representações de Nossa Senhora de Fátima onde o manto tem um tom azulado, todavia essa tonalidade não existe na representação de José Thedim.
A imagem do Museu de Angra do Heroísmo, tem uma túnica branca, com algumas semelhanças com a túnica de uma das representações de “Nossa Senhora de Fátima”. Existem representações de Fátima em que é dado um leve tom azulado à túnica. O facto da imagem ser toda branca deriva da imaginação do primeiro artista que o esculpiu e não directamente da descrição dos videntes. Esta primeira imagem marcou a iconografia futura de Fátima e na opinião de alguns negativamente.
Na maioria das representações da Imaculada Conceição, os pés da Virgem não são visíveis ou então aparece descalça, com sandálias ou botins castanhos. Na imagem em questão, a Virgem possui botins brancos e as margens do manto estão decoradas com motivos vegetalistas, como era típico no século XVIII.
É possível observar, no Museu de São Roque, na colecção de escultura da Misericórdia de Lisboa, uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, da segunda metade do século XVII, com manto azul sobre uma túnica dourada, de onde sobressaem mangas vermelhas. Também existem imagens, em colecções privadas representações de Nossa Senhora com uma túnica vermelha e com uma segunda túnica branca por cima, dando a sensação de ser uma única túnica branca.
Nas figuras seguintes, apresenta-se, à esquerda, uma pintura de 1616 de Francisco de Pacheco (1554-1644), onde a Imaculada Conceição, pousa sobre a Lua com um “crescente invertido” e veste um manto verde sobre uma túnica vermelha, e à direita, numa pintura de 1634, de Francisco de Zurbarán (1598-1664), pousa sobre uma Lua com um crescente que ultrapassa a dimensão da Lua. A Virgem nesta última pintura veste um manto azul com uma túnica vermelha.
Na pintura da direita, Nossa Senhora da Conceição está coroada por doze estrelas, que alguns peritos afirmam representar as doze tribos de Israel, enquanto que a da esquerda é coroada pelo Sol do Apocalipse.
Na imagem de Nossa Senhora da Conceição do século XVIII, presente na Capela-Mor da Igreja de São Roque, esta tem como principal atributo, o crescente lunar a seus pés, as mãos postas, uma túnica verde ornada a flores e um manto azul forrado a vermelho. Também no Museu de São Roque se encontra uma imagem de terra-cota de Nossa Senhora da Conceição (segunda metade do século XVIII) sobre um crescente lunar, com túnica rosada e manto azul.
A imagem de Nossa Senhora da Conceição (inv nº99 do Museu de São Roque), tem as seus pés os ícones tradicionais, túnica branca e manto azul (séculos XVIII/XIX). A imagem da irmandade de São Roque (inv nº51) tem manto azul decorado a estrelas e túnica lilás (Século XVIII/XIX). Curiosamente, é na imagem de Nossa Senhora da Conceição do Museu de São Roque do século XX (inv nº65) que a Virgem aparece com túnica branca pulverizada de estrelas e manto azul, contendo muitos dos ícones anteriormente referidos excepto o crescente lunar e as mãos postas.
O acto de se coroar Nossa Senhora da Conceição como padroeira e Rainha de Portugal, a 25 de Março de 1646, numa cerimónia solene realizada em Vila Viçosa, para lhe agradecer a Restauração da Independência de Portugal em relação a Espanha, e como forma de devoção e agradecimento à Virgem pela protecção dispensada, talvez tenha conduzido à coroação das imagens produzidas ou veneradas em Portugal. A coroa da imagem de Nossa Senhora da Conceição do Museu de Angra do Heroísmo, não é nem a coroa real, típica das imagens portuguesas da Imaculada Conceição, nem a coroa Mariana que aparece em muitas das suas representações, mas sim uma coroa de Príncipe. A coroa de Príncipe era constituída por um aro de ouro enfeitado com gemas e sustentando nove florões de ouro cada um carregado com uma pérola. A coroa que a imagem de Nossa Senhora da Conceição do Museu de Angra do Heroísmo possui tem 9 florões e é enfeitada com 18 desenhos que imitam pedras preciosas. Tal tipo de coroa é muito pouco comum, mas indicia que a imagem é posterior à coroação da Imaculada Conceição pela monarquia portuguesa. Desde a coroação de Nossa Senhora, mais nenhum rei português usou coroa na cabeça, por se considerar que só a Virgem tinha esse direito. Nos quadros onde aparecem reis ou rainhas, a coroa está pousada ao lado, sobre a mesa, num tamborete ou almofada de cetim.
Assim, as doze estrelas que coroavam a Imaculada Conceição, passaram em Portugal e também nos países com influência portuguesa, a partir de 1646, a ser substituídas por uma coroa. O número doze é um número especial nas várias culturas e tradições europeias: existem 12 signos do Zodíaco; 12 horas num relógio; 12 meses num ano; 12 apóstolos; 12 deuses olímpicos ou 12 tábulas da Lei Romana.
É pelo facto do número doze ter um significado especial na sociedade europeia ocidental que foi escolhido um campo azul (cor eminentemente mariana) com doze estrelas, para a actual bandeira da União Europeia. Neste momento o número de estrelas está fixado em doze e nada tem a ver com o número de estados membros da UE.
Em 1950 o Conselho da Europa abriu um concurso de ideias para uma bandeira, e Arsene Heitz, artista de 80 anos de Estrasburgo apresentou um projecto surpreendente que ganhou o concurso: 12 estrelas sobre um fundo azul.
O artista explica como se inspirou para o seu projecto. Na altura andava a ler a história das aparições de Nossa Senhora a Catarina Labouré (ver representação seguinte). Essas aparições deram origem à Medalha Milagrosa.

O artista pensou na imagem de Nossa Senhora da Conceição, que representa a figura do Apocalipse: “Grandioso sinal apareceu no céu: uma Mulher com o Sol a servir-lhe de manto, com a Lua debaixo dos pés, e, na cabeça, uma coroa de doze estrelas (Ap 12, 1). Na bandeira da UE, nem as estrelas, nem o azul da bandeira são símbolos religiosos. O número 12 é um “algarismo de plenitude”. Assim, sem se dar por isso a proposta de Arsene Heitz foi aceite e adoptada oficialmente em 1955, no dia 8 de Dezembro, dia da Festa Litúrgica de Nossa Senhora da Conceição.

O dogma da Imaculada Conceição foi definido pelo papa Pio IX a 8 de Dezembro de 1854, pela bula Ineffabilis. A instituição da ordem militar de Nossa Senhora da Conceição por D. João VI sintetiza o culto que em Portugal sempre teve essa crença antes de ser dogma.
É ao longo do século XVI que se consolida a representação da Virgem sobre o crescente lunar que chega à América na invocação da Virgem de Guadalupe, cuja primeira representação conhecida data de 1531. Na Europa a representação da Virgem associada ao crescente lunar parece ter-se difundido largamente através dos livros de horas (livros de oração utilizados por boa parte da comunidade letrada europeia). Note-se que até então este conjunto de atributos foi associado à Virgem, e não especificamente à Imaculada Conceição. Mas é justamente entre os séculos XVI e XVII que aparecem as primeiras representações da Imaculada Concepção como a reconhecemos hoje. Ao crescente lunar, foi adicionada uma serpente que por vezes aparece mordendo uma maçã, e colocada sob o pé da Senhora, numa clara alusão à descrição do Apocalipse.
Embora a associação da Virgem com a lua tenha sido herdada da deusa Vénus romana, ela também aparece no Cântico dos Cânticos e na Litania. O seu aparecimento sob os pés da Virgem, assim como a adição da coroa de doze estrelas e da serpente, são “acrescentos” realizados a partir do final do século XVI.
No século XVI, tal como se referiu anteriormente, ocorreu a aparição da Virgem de Guadalupe, no México. A Virgem é representada num manto azul turquesa que era a cor sagrada dos índios Nahua. Os índios mexicanos viviam sob as estrelas e a virgem está rodeada de raios dourados simbolizando o Sol, a luz do mundo e da vida. No manto estão representadas as constelações de estrelas do céu do dia da aparição: 12 de Dezembro de 1531 (ver imagem seguinte).

Na figura seguinte, apresentam-se as estrelas fulgentes (as mais brilhantes do céu) que formam as constelações dos hemisférios celestiais norte e sul. À direita, no manto, estão as constelações do hemisfério celestial Sul e à esquerda as do hemisfério celestial Norte.
São em grande número as incorporações de símbolos astronómicos ou astrológicos nas imagens da Imaculada Conceição, alguns de grande precisão científica, como é o caso da Virgem de Guadalupe, enquanto noutras há apenas uma tentativa de representar algumas metáforas bíblicas ou símbolos litânicos.
No manto da Senhora de Guadalupe temos as constelações que se situam no pólo do hemisfério celestial norte, como a Ursa Maior, Ursa Menor (esta constelação contem a estrela polar, extremamente importante para a navegação desde os descobrimentos até aos finais do século XVIII) e sobre o pólo celestial sul vê-se perfeitamente o Cruzeiro do Sul (equivalente à Ursa menos, no hemisfério sul, também ela muito importante para a navegação). O facto de representar nessa época e com pormenor, no manto de Nossa Senhora, as constelações dos dois hemisférios celestiais, confere-lhe, tal como Camões atribui a Vénus nos Lusíadas, o atributo de Protectora dos Navegantes.

Consta que o início da devoção à Nossa Senhora dos Navegantes (ver imagem seguinte) se originou na Idade Média na altura das Cruzadas. Sob o título de "Estrela do Mar", os cruzados pediam a sua protecção quando faziam a travessia do Mediterrâneo em direcção à Palestina.
Tal tradição foi mantida e difundida pelos navegadores portugueses e espanhóis, disseminando-se entre os pescadores, principalmente nas terras colonizadas por Espanha e Portugal.
Esses atributos de guia (grande estrela, estrela da manhã ou da noite, tal como Vénus), através das águas pelos céus, estão bem patentes na oração que os fiéis lhe dedicam: “Avé Estrela do Mar, Virgem poderosíssima, Mãe e advogada de todos os que navegam no mar proceloso da vida. A vossa valiosa protecção confiou-nos o Vosso Divino Filho, para serdes nosso guia, protector, consolo e alento durante a nossa vida terrestre. Refugiamo-nos cheios de confiança debaixo do Vosso manto maternal. Sê nossa guia, sê nosso farol, sê sempre a nossa brilhante Estrela do Mar que nos orienta, afim de que nunca pereçamos nem nos desnorteamos da rota segura que nos levará ao porto da eterna bem aventurança, onde em companhia vossa, do Vosso Divino Filho e de todos os santos gozemos a serenidade da vida em Deus para sempre”.


A imagem de Nossa Senhora da Conceição do Museu de Angra do Heroísmo, é uma obra de arte popular, com elementos singulares: a coroa de príncipe, estrelas no manto descuidadamente desenhadas e apenas na frente, ausência de anjos alados a suportar a Lua, tarja decorada com motivos fitomórficos na proximidade dos debruns e botins brancos, e com uma Lua em forma de barco.

Ano Internacional da Astronomia - Dia 354 "Réplica de astrolábio português do século XVII"

Félix Rodrigues

Apesar de não ter sido inventado pelos portugueses, visto que já existia desde a mais remota antiguidade e com ampla utilização no mundo árabe, foi com os marinheiros lusos que, depois de convenientes adaptações, o astrolábio passou a ser usado para determinar a latitude do lugar através da medida da altura dos astros, quando se iniciou a navegação astronómica.
Até meados do Sec. XV, quando se realizaram os descobrimentos, as navegações faziam-se à base da “náutica de rumo e estima”, ou seja, utilizando carta e bússola e calculando por estimativa as distâncias navegadas. A expansão nesta primeira fase, foi obra mais de coragem do que de ciência.
De acordo com Luís Albuquerque, quando os portugueses inventaram a navegação astronómica, como resultado da acumulação de conhecimentos e experiências anteriores e como resposta aos problemas que levantavam as navegações até lugares cada vez mais distantes, logo os “pilotos se deram conta de que o astrolábio era um dos instrumentos mais úteis e até, sem dúvida, o mais útil para observações solares”. A proximidade de Portugal ao mundo árabe fez com que a essa técnica árabe ancestral, de avaliar “o peso dos astros” fosse transposta para a navegação marítima no período da expansão portuguesa.
O astrolábio é assim um instrumento indispensável à navegação das naus portuguesas cuja utilidade é o de avaliar a posição dos astros e a sua altura acima do horizonte. Gil Vicente já o menciona em 1562: “Pera dar mostra desta arte fez muytos estromentos, entre os quais foi hum estrolabio de tomar o sal a toda a hora”. Gil Vicente viveu na época do desenvolvimento e da expansão portuguesa, onde havia a necessidade premente, de serem aperfeiçoadas as técnicas de navegação marítima.
Nessa época construíram-se centenas de modelos de astrolábios, tanto de madeira como de metal, no entanto poucos sobreviveram até aos nossos dias.
Estácio dos Reis refere que naufragaram, em 1622, nas costas da Califórnia, quando se dirigiam carregados de ouro, prata e bronze, para o porto de Sevilha, dois galeões espanhóis. Desses galeões foram recuperados alguns astrolábios portugueses que num leilão de salvados do “Nuestra Señora de Atocha” e “Santa Margarita”, Portugal adquiriu duas dessas peças. É evidente que nesses galeões castelhanos, a mercadoria, nada tinha a ver com Portugal, mas os instrumentos de navegação eram de fabrico português. Com vista a enriquecer o espólio cultural português da época dos descobrimentos, Portugal arrematou dois astrolábios para figurarem no Museu da Marinha. Assim sendo, dos cinco astrolábios recuperados nos despojos do galeão espanhol Nuestra Senhora de Atocha, dois deles foram adquiridos pelo Museu da Marinha.
A réplica de astrolábio do século XVII, existente no Museu de Angra do Heroísmo, refere-se a um desses astrolábios que foram encontrados nos galeões espanhóis afundados e reproduzida aquando das comemorações dos quinhentos anos dos Descobrimentos Portugueses. Na figura seguinte apresenta-se a imagem de uma dessas réplicas.

Apesar desse instrumento ser um testemunho e um símbolo da epopeia dos Descobrimentos até à década de oitenta, para além daqueles dois, outros três, comprados ou doados, vieram enriquecer o património científico nacional. Na década de oitenta apenas existia um desses instrumentos em Portugal, pertencente ao Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra. No entanto, num total de sessenta e cinco exemplares de astrolábios de navegação conhecidos e dispersos por todo o mundo, vinte e sete foram fabricados por portugueses, ostentando alguns deles o nome dos seus fabricantes, como Agostinho de Goes ou João Dias, exibindo características que autenticam a origem lusitana. Cada astrolábio era conhecido por um nome próprio, correspondente ao navio a que pertenceu, ou, quando este não foi identificado, ao local onde foi achado. Pode acontecer ainda que venha a receber o nome do museu ou instituição onde se encontra guardado.
Se no passado estes instrumentos náuticos foram a chave que permitiu a abertura do Atlântico e a descoberta de novos mundos, hoje, pelo seu incomensurável valor documental, poderão abrir as portas para um melhor conhecimento do período mais glorioso da História de Portugal.
O astrolábio português que aqui se apresenta é formado por um disco de latão graduado na sua borda, por um anel de suspensão e por uma mediclina (espécie de ponteiro). O astrolábio náutico era uma versão simplificada do tradicional árabe e permitia a avaliação da altura dos astros para ajudar na localização das naus em alto mar. Este instrumento tinha como referência a vertical do lugar, não necessitando portanto do horizonte visível.
Tal como os astrolábios árabes, o astrolábio português de navegação era constituído por uma rete ou aranha não simétrica, com apontadores estelares (arcos) que indicavam a posição das estrelas mais brilhantes de cada constelação sobre uma placa, clima ou disco, com a projecção estereográfica polar da esfera celeste. A rete não poderia ser simétrica pois a posição das estrelas no céu também não é simétrica. Em cada um dos arcos ou apontadores estelares da réplica existente no Museu de Angra do Heroísmo, estão inscritos os nomes das estrelas mais brilhantes de cada uma das constelações do céu, e nas suas extremidades existem pequenos orifícios que permitem observar na clima, a posição exacta da estrela.
Na figura seguinte apresenta-se um diagrama de um astrolábio, em quase tudo idêntico à réplica portuguesa que aqui se refere, onde são visíveis as linhas do horizonte, do equador, dos trópicos de Câncer e de Capricórnio, bem como o zénite, entre outras funcionalidades e informações contidas tanto na rete como em cada clima.
Nos astrolábios portugueses, os discos da latitude, climas, contêm a projecção esterográfica dos círculos da esfera celeste, sendo o ponto de vista o pólo austral, e o plano de projecção, o plano paralelo ao equador tangente à esfera no pólo Norte. O pólo Norte ocupa a posição correspondente ao centro do disco. A projecção da parte do céu austral, desde o trópico de Capricórnio até ao Sul, não é representada.
As linhas numeradas de 1 a 12, que se estendem de trópico a trópico, são linhas horárias, através das quais se tiravam as chamadas horas desiguais, ou seja, o tempo de luminosidade ou de “escuridão”.
A aranha ou rete, tem um círculo excêntrico, com a projecção do Zodíaco, dividido em doze signos e em graus.

Para se ter uma ideia da posição de um dado planeta, havia que procurá-la numa tabela, respeitante ao dia em que era feita a observação.
O princípio de funcionamento do astrolábio é intuitivo. Para a sua utilização o observador deve suspender o astrolábio pela argola, orientá-lo na direcção da vertical do astro a estudar, mover a mediclina e fazer com que os raios de Sol atravessem o orifício da pínula superior e incidam correctamente na inferior. A distância zenital, ou complemento da altura, é lida na graduação respectiva.
Como se pode observar na réplica existente no Museu de Angra do Heroísmo, esse astrolábio não possuía mediclina nem pinulas, daí que a sua função fosse mais a de máquina de calcular.
Refere Luciano Pereira da Silva, Professor da Universidade de Coimbra, que no Tratado de Sabokt, um dos tratados mais importantes de navegação pelos astros, a descrição do astrolábio é seguida de vinte e cinco problemas astronómicos, em que o astrolábio é usado para determinar a hora do dia e da noite. Nesses problemas não existem cálculos a efectuar tudo se reduzia à leitura dos números do aparelho.
Há no astrolábio duas partes de uso bem distintas: a mediclina e a graduação sobre a qual correm as suas pontas, servindo para avaliar a altura dos astros, e a aranha e o disco de latitude que funcionam mais como máquina de calcular, onde a aranha, quando na posição conveniente, permite ler os números sobre o disco ou clima.