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2009-12-26

Ano Internacional da Astronomia - Dia 354 "Réplica de astrolábio português do século XVII"

Félix Rodrigues

Apesar de não ter sido inventado pelos portugueses, visto que já existia desde a mais remota antiguidade e com ampla utilização no mundo árabe, foi com os marinheiros lusos que, depois de convenientes adaptações, o astrolábio passou a ser usado para determinar a latitude do lugar através da medida da altura dos astros, quando se iniciou a navegação astronómica.
Até meados do Sec. XV, quando se realizaram os descobrimentos, as navegações faziam-se à base da “náutica de rumo e estima”, ou seja, utilizando carta e bússola e calculando por estimativa as distâncias navegadas. A expansão nesta primeira fase, foi obra mais de coragem do que de ciência.
De acordo com Luís Albuquerque, quando os portugueses inventaram a navegação astronómica, como resultado da acumulação de conhecimentos e experiências anteriores e como resposta aos problemas que levantavam as navegações até lugares cada vez mais distantes, logo os “pilotos se deram conta de que o astrolábio era um dos instrumentos mais úteis e até, sem dúvida, o mais útil para observações solares”. A proximidade de Portugal ao mundo árabe fez com que a essa técnica árabe ancestral, de avaliar “o peso dos astros” fosse transposta para a navegação marítima no período da expansão portuguesa.
O astrolábio é assim um instrumento indispensável à navegação das naus portuguesas cuja utilidade é o de avaliar a posição dos astros e a sua altura acima do horizonte. Gil Vicente já o menciona em 1562: “Pera dar mostra desta arte fez muytos estromentos, entre os quais foi hum estrolabio de tomar o sal a toda a hora”. Gil Vicente viveu na época do desenvolvimento e da expansão portuguesa, onde havia a necessidade premente, de serem aperfeiçoadas as técnicas de navegação marítima.
Nessa época construíram-se centenas de modelos de astrolábios, tanto de madeira como de metal, no entanto poucos sobreviveram até aos nossos dias.
Estácio dos Reis refere que naufragaram, em 1622, nas costas da Califórnia, quando se dirigiam carregados de ouro, prata e bronze, para o porto de Sevilha, dois galeões espanhóis. Desses galeões foram recuperados alguns astrolábios portugueses que num leilão de salvados do “Nuestra Señora de Atocha” e “Santa Margarita”, Portugal adquiriu duas dessas peças. É evidente que nesses galeões castelhanos, a mercadoria, nada tinha a ver com Portugal, mas os instrumentos de navegação eram de fabrico português. Com vista a enriquecer o espólio cultural português da época dos descobrimentos, Portugal arrematou dois astrolábios para figurarem no Museu da Marinha. Assim sendo, dos cinco astrolábios recuperados nos despojos do galeão espanhol Nuestra Senhora de Atocha, dois deles foram adquiridos pelo Museu da Marinha.
A réplica de astrolábio do século XVII, existente no Museu de Angra do Heroísmo, refere-se a um desses astrolábios que foram encontrados nos galeões espanhóis afundados e reproduzida aquando das comemorações dos quinhentos anos dos Descobrimentos Portugueses. Na figura seguinte apresenta-se a imagem de uma dessas réplicas.

Apesar desse instrumento ser um testemunho e um símbolo da epopeia dos Descobrimentos até à década de oitenta, para além daqueles dois, outros três, comprados ou doados, vieram enriquecer o património científico nacional. Na década de oitenta apenas existia um desses instrumentos em Portugal, pertencente ao Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra. No entanto, num total de sessenta e cinco exemplares de astrolábios de navegação conhecidos e dispersos por todo o mundo, vinte e sete foram fabricados por portugueses, ostentando alguns deles o nome dos seus fabricantes, como Agostinho de Goes ou João Dias, exibindo características que autenticam a origem lusitana. Cada astrolábio era conhecido por um nome próprio, correspondente ao navio a que pertenceu, ou, quando este não foi identificado, ao local onde foi achado. Pode acontecer ainda que venha a receber o nome do museu ou instituição onde se encontra guardado.
Se no passado estes instrumentos náuticos foram a chave que permitiu a abertura do Atlântico e a descoberta de novos mundos, hoje, pelo seu incomensurável valor documental, poderão abrir as portas para um melhor conhecimento do período mais glorioso da História de Portugal.
O astrolábio português que aqui se apresenta é formado por um disco de latão graduado na sua borda, por um anel de suspensão e por uma mediclina (espécie de ponteiro). O astrolábio náutico era uma versão simplificada do tradicional árabe e permitia a avaliação da altura dos astros para ajudar na localização das naus em alto mar. Este instrumento tinha como referência a vertical do lugar, não necessitando portanto do horizonte visível.
Tal como os astrolábios árabes, o astrolábio português de navegação era constituído por uma rete ou aranha não simétrica, com apontadores estelares (arcos) que indicavam a posição das estrelas mais brilhantes de cada constelação sobre uma placa, clima ou disco, com a projecção estereográfica polar da esfera celeste. A rete não poderia ser simétrica pois a posição das estrelas no céu também não é simétrica. Em cada um dos arcos ou apontadores estelares da réplica existente no Museu de Angra do Heroísmo, estão inscritos os nomes das estrelas mais brilhantes de cada uma das constelações do céu, e nas suas extremidades existem pequenos orifícios que permitem observar na clima, a posição exacta da estrela.
Na figura seguinte apresenta-se um diagrama de um astrolábio, em quase tudo idêntico à réplica portuguesa que aqui se refere, onde são visíveis as linhas do horizonte, do equador, dos trópicos de Câncer e de Capricórnio, bem como o zénite, entre outras funcionalidades e informações contidas tanto na rete como em cada clima.
Nos astrolábios portugueses, os discos da latitude, climas, contêm a projecção esterográfica dos círculos da esfera celeste, sendo o ponto de vista o pólo austral, e o plano de projecção, o plano paralelo ao equador tangente à esfera no pólo Norte. O pólo Norte ocupa a posição correspondente ao centro do disco. A projecção da parte do céu austral, desde o trópico de Capricórnio até ao Sul, não é representada.
As linhas numeradas de 1 a 12, que se estendem de trópico a trópico, são linhas horárias, através das quais se tiravam as chamadas horas desiguais, ou seja, o tempo de luminosidade ou de “escuridão”.
A aranha ou rete, tem um círculo excêntrico, com a projecção do Zodíaco, dividido em doze signos e em graus.

Para se ter uma ideia da posição de um dado planeta, havia que procurá-la numa tabela, respeitante ao dia em que era feita a observação.
O princípio de funcionamento do astrolábio é intuitivo. Para a sua utilização o observador deve suspender o astrolábio pela argola, orientá-lo na direcção da vertical do astro a estudar, mover a mediclina e fazer com que os raios de Sol atravessem o orifício da pínula superior e incidam correctamente na inferior. A distância zenital, ou complemento da altura, é lida na graduação respectiva.
Como se pode observar na réplica existente no Museu de Angra do Heroísmo, esse astrolábio não possuía mediclina nem pinulas, daí que a sua função fosse mais a de máquina de calcular.
Refere Luciano Pereira da Silva, Professor da Universidade de Coimbra, que no Tratado de Sabokt, um dos tratados mais importantes de navegação pelos astros, a descrição do astrolábio é seguida de vinte e cinco problemas astronómicos, em que o astrolábio é usado para determinar a hora do dia e da noite. Nesses problemas não existem cálculos a efectuar tudo se reduzia à leitura dos números do aparelho.
Há no astrolábio duas partes de uso bem distintas: a mediclina e a graduação sobre a qual correm as suas pontas, servindo para avaliar a altura dos astros, e a aranha e o disco de latitude que funcionam mais como máquina de calcular, onde a aranha, quando na posição conveniente, permite ler os números sobre o disco ou clima.

1 Comments:

At 18:42, Blogger Berro d'Água said...

É muito bom ler teus textos, que são sempre muito educativos e cativantes. Amei ler alguns deles aqui.

Aproveito para te desejar tudo de bom e também aos teus, nesse novo ano e já te enviei por email, uma mensagenzinha.

Beijos,
Cris

 

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