Pensei alhear-me da questão do aborto, mas não o consegui. Sou dos poucos que defendem o NIM, nem não, nem sim, ou seja, sou daqueles que são contra o referendo.
Sou contra o referendo por entender que esta questão não é referendável.
Sei exctamente o que responderia se a pergunta fosse do tipo:
-É a favor da total despenalização do consumo de drogas?
-É a favor da pena de morte?
Não perceberei nunca um referendo que coloca questões como:
-É contra o suicídio?
-É contra convicções neo-nazis?
As primeiras questões prendem-se com formas de gerir problemas sociais, cuja resposta permite perceber até que ponto estamos dispostos a tolerar comportamentos ou a não perdoar actos hediondos. As segundas, com respostas estritamente pessoais, impregnadas de valores pessoais e culturais, chegam a atingir o ridículo se colocadas sobre a forma de pergunta.
Para mim a pergunta em questão deveria ser: Concorda com o projecto Lei Nº? Aí sim, talvez soubesse o que estava a votar, ademais: não sou criminalista.
Entendo que o referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez se enquadra mais na segunda categoria de questões do que na primeira, por isso voto NIM.
Ninguém é a favor do aborto. Ser a favor do aborto, o que é que significa? Que todas as mulheres têm que abortar? Que temos que extinguir a espécie humana? Que se é contra a vida?
Se o sim, nada tem a ver com o ser a favor do aborto senso lacto, o que se vota no referendo são as condicionantes do aborto.
São as condicionantes que estão a ser discutidas tanto pelo não como pelo sim. Votar sim ou não, sem poder escolher as condicionantes, para mim, não faz qualquer sentido, muito menos quando se tratam de convicções pessoais, totalmente impregnadas de subjectividade.
Não é a moda ou a média das opiniões que dão sentido a uma questão ou as torna verdadeiras, mesmo em democracia, por isso: NIM.
Os argumentos dos não e dos sim tem andado à volta da vida, por vezes da ausência dela. Creio que todos percebem e aceitam que científicamente ela já existe até antes da concepção: o espermatozoide está vivo e o óvulo também. Após a fecundação, o óvulo fecundado, também está vivo.
A questão em discussão parece não ser esta, mas sim a classificação da vida como humana. No fundo discute-se aquilo que teológicamente se chama "o aparecimento da alma humana". Discute-se, metafísica.
Tenho algumas crenças relativamente à "alma humana", mas essas não são referendáveis, porque cada um tem as suas. Mais uma vez não me interessa saber a média ou as modas das crenças dos portugueses.
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Pedem-me que diga não sem a preocupação de criar mecanismos eficazes de apoio às mulheres desesperadas, algumas maltratadas, mal julgadas, mal amadas e por vezes até mal nutridas. Não voto não, porque a actual lei só julga, não ajuda. Não há nenhuma indicação de que sendo aprovado o não se alterarão os apoios ou se alterará o tipo de ajuda.
O Aborto clandestino é efectivamente um grave problema.
Pedem-me que diga sim a todas as decisões, incluindo as mal pensadas, por vezes mal julgadas mas que se acredita que resolve um problema de sanidade física. Não resolve certamente problemas de sanidade mental. Não há nenhuma indicação de que se alterarão apoios ou se alterará o tipo de ajuda, excepto a sanitária e diminuir-se-ão os encargos pessoais.
O sim pode corresponder a uma desresponsabilização social de apoio às mesmas mulheres desesperadas, maltratadas, mal amadas e por vezes mal nutridas. Será que são bem julgadas?
Não estará a grande diferença entre o sim e o não apenas no julgamento público ou institucional? Essa diferença para mim é muito pouca.
Pedem-me então que decida se " a alma humana" existe apenas a partir das 10 semanas de gestação. Haverá alguém que saiba isso? Não cairemos no ridículo de punir o aborto com 10 semanas e um dia? Dez semans e dois dias? Dez semanas e ...trinta dias? Raciocinando ao contrário, nove meses é crime, oito também, três também....e só deixa de ser crime aos dois meses e duas semana!!! Poderíamos ter ido mais longe e ter contabilizado mais ao menos assim: Dois meses, uma semana, 3 dias, 5 horas, 25 minutos e 10 segundos após....
O não, defende que 10 semans é muito, mas não diz até quanto se regride. Até ao acto da concepção? A maioria dos adeptos do não aceita perfeitamente ir até ao dia seguinte ao da concepção.
Nesta perspectiva o referendo pretende que eu decida em que intervalo de tempo, entre dois dias e 10 semanas, ocorre o aparecimento da vida humana. Não sou capaz de o fazer, por isso, voto NIM.
As mulheres têm direito a fazerem o que querem com a sua barriga?
Não creio que esta causa seja uma causa feminista, nem creio que esta escolha seja exclusiva das mulheres. O que acontece é que essa escolha é incentivada por alguns homens, que as abandonam, as maltratam, julgam-nas, desrespeitam e deixam-nas exclusivamente sós com os seus dilemas. Como homem, sentir-me-ia muito mal passar essa responsabilidade exclusivamente à mulher. Por isso também, voto NIM, porque se o dilema fosse meu, gostaria de partilhá-lo, nem o não nem o sim me dão essa possibilidade.
Sou contra um referendo que resulta da falta de coragem do poder político em assumir do princípio ao fim um projecto humanizado da interrupção da gravidez, que é voluntário, por não ter opções, tratando-o como deve ser tratado, com soluções que levam à responsabilização da sociedade em vez de um contributo monetário, de um projecto que trata o assunto como se fosse um assunto mercantizável ou um assunto legislável. É aos políticos que compete propor a lei, por isso votei neles.
Não teria dúvidas em votar um programa para combate à dignificação da vida e da mulher. Tenho dúvidas em votar algo que se traduz numa resposta minimalista transformado num simples sim ou não.
Tenho dificuldades em aceitar o exemplo de outros países, quando o meu foi dos primeiros a proibir a escravatura e a eliminar a pena de morte. A moda ou a média, não me servem de consolo.
Gostaria que o meu país fosse o primeiro a dar a devida atenção a este problema, e que não o reduzisse a questões para as quais não há uma única resposta, uma única lei, um único olhar, uma única interpretação ou um mero referendo.
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Não sou Deus nem Anjo, sou simplesmente um homem, com defeitos e limitações.
Quando me pedem sim ou não, estão a dizer-me que os dilemas se resolvem pela maioria das opiniões, ou por 50% das opiniões mais uma. Sei que talvez o objectivo seja promover-nos virtualmente à categoria de Semi-deus.
Félix Rodrigues
Qual é a tua opinião (não pergunto qual é o teu voto)?
Adira à iniciativa: