Ano Internacional da Astronomia - Dia 350 "Relógio de Sol Portátil Dollond"

Relógio de Sol Portátil Dollond

Félix Rodrigues

O relógio de Sol portátil Dollond do século dezoito, existente no Museu de Angra do Heroísmo, acondicionado em estojo de pele de gata (pele de tubarão da família Scyliorhinidae), foi elaborado por Peter Dollond, fundador de uma das maiores casas comerciais mundiais de instrumentos ópticos.
O protótipo desse relógio de sol portátil, também do século XVIII, encontra-se no Museu de Ciência de Londres, havendo poucos exemplares dessa época espalhados pelo mundo ou mesmo na Grã-Bretanha.
Esse modelo de relógio de sol era utilizado pelos navegadores e exploradores que pretendiam determinar a hora local dos sítios por onde passavam, quer por questões de orientação ou de compromissos comerciais.

Pelas características dos utilizadores exigia-se que o estojo fosse resistente quer ao ambiente marítimo quer ao ambiente terrestre, daí o recurso a pele de tubarão por ter uma estrutura lenticular resistente, áspera, abrasiva e “non-slip”, que se mostrava na altura ideal para a fabricação de botas militares e punhos de espadas.Desde tempos remotos que o homem, ao observar o Sol, percebeu que este produzia no solo a sombra de objectos, e que estas, variavam de dimensão ao longo do dia. Ao amanhecer a sombra era alongada, ao meio-dia estava no seu tamanho mínimo e ao entardecer voltava a alongar-se novamente. Para relacionar o tamanho da sombra com a hora, os babilónios criaram um triângulo, a que os gregos chamaram de gnómon, que projectava a sua sombra sobre uma base na qual estavam inscritas as diferentes partes do dia. Na imagem anterior é possível observar o gnómon do relógio portátil de Peter Dollond que tem a forma de um triângulo rectângulo estilizado. Esse gnómon é articulado com a base, na qual se encontra a escala que corresponde à divisão do dia em partes, neste caso horas e classes de cinco minutos, e que em funcionamento, é colocado perpendicularmente à base (ver figura seguinte).

Num relógio de Sol, o gnómon deve ser um triângulo rectângulo com um dos ângulos agudos iguais à latitude do local e com uma hipotenusa menor ou igual ao raio do amostrador. Para obviar este facto, o relógio de Sol portátil de Dollond possui uma alidade que permite ir inclinando o gnómon de modo a produzir um ângulo agudo com a base igual à latitude do lugar. Essa alidade está graduada em graus num intervalo de 0º a 60º, sendo essas as latitudes entre as quais o relógio funcionava. Na primeira imagem vemos essa alidade no plano do mostrador, e na segunda imagem, essa alidade está levantada (na margem direita do relógio).
Devido à inclinação do eixo de rotação da Terra e ao formato elíptico da sua órbita, não existe nenhuma orientação fixa para o gnómon que mantenha uma relação geométrica constante com o Sol durante o ano inteiro (a melhor orientação possível é o paralelismo com o eixo de rotação da Terra). Por esse motivo, é impossível construir um relógio de sol rígido com mostrador simples que mostre a hora correcta durante todo o ano.
De modo a manter o gnómon paralelo com o eixo de rotação da Terra, Dollond introduziu uma bússola, num plano inferior e paralelo ao do mostrador. Tal bússola serve para orientá-lo de acordo com o eixo de rotação da terra em cada local, ou seja, na direcção Norte –Sul.
Os desvios entre a hora medida num relógio de sol e a hora solar real podem ser calculados teoricamente. A expressão matemática que relaciona esses desvios com os dias do ano é chamada "Equação do tempo".
Na equação que se segue apresenta-se Z(t) que fornece o valor da equação do tempo para o dia t, sendo este um qualquer dia do ano juliano, ou seja, qualquer valor do intervalo 0 a 364, onde 0 é 1 de Janeiro; 1 é 2 de Janeiro, e assim sucessivamente:
Z(t)= Ae sin[2p (t+De)/Te]+As sin[2 p (t+Ds)/Ts]
Nessa equação, As, Ae, Ts, Te, Ds e De são constantes. De seguida apresentam-se os valores dessas constantes.
As= 10,52 min; Ae=8,04 min; Ts=187,94 dias; Te=365,29 dias; Ds=110,5 dias e De=171,4 dias.
Como qualquer outra função matemática bidimensional, a Equação do tempo pode ser representada graficamente, facilitando o seu uso pelos utilizadores dos relógios de sol menos preparados para o cálculo matemático, de modo a que a leitura da hora real possa ser corrigida por quem os consulte.

Como é fácil perceber, através do gráfico anterior, ao longo do ano, a diferença entre a hora medida no relógio de Sol e a hora real pode variar entre um avanço da posição do Sol em relação ao tempo solar médio de 16 min 33 s (por volta de 31 de Outubro–1 de Novembro) e um atraso de 14 min 6 s (por volta de 11–12 de Fevereiro).
Essa diferença entre a hora solar e a hora medida no relógio de sol deve-se às características horizontais do analema da Terra (uma curva assimétrica, em forma de 8, que representa graficamente a posição do Sol no céu à mesma hora em cada dia do ano, quando vista da Terra-figura seguinte).

De modo a garantir que o relógio de sol portátil de Dollond era um instrumento de precisão até aos 5 minutos, havia que acautelar uma perfeita horizontalidade do instrumento ou perfeitas relações geométricas entre as suas partes móveis. Para isso existem dois níveis de bolha incorporados nesse modelo, que através do ajuste de três parafusos (ver figura seguinte), se garante a perfeita horizontalidade do aparelho.

Além de ser portátil, o relógio de sol de Dollond, possuía maior precisão do que qualquer outro relógio solar fixo em qualquer lugar de passagem, por outro lado, permitia extrair com alguma precisão a hora local em qualquer ponto do globo ajudando os navegadores a identificarem a longitude a que se encontravam.