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2009-12-01

Ano Internacional da Astronomia - Dia 325 "Atlas Catalão"

Félix Rodrigues

O Atlas Catalão original, de 1375, encontra-se na Biblioteca Nacional da França, classificado como manuscrito espanhol do século XIV, uma obra da escola maiorquina de cartografia, concebida e executada por Abraão Cresques sob encomenda, para ser oferecida ao rei Carlos V de França.
Esse Atlas é composto por doze meias folhas que contêm, além do mapa do mundo, um calendário perpétuo, tábuas de marés e informações astrológicas/astronómicas (duas doutrinas que à época se misturavam).
Abraão Cresques, tal como era tradição na época, colocou nesses mapas informações geográficas, históricas e mitológicas, coloriu-o, iluminando-o o e representando neles passagens bíblicas. As passagens bíblicas nos mapas tinham por fonte a própria Bíblia Sagrada , e entre elas estavam representados, por exemplo, os três reis magos e a estrela de Belém.
Pode afirmar-se que cartografia Medieval tem três aspectos distintivos da restante cartografia antiga: imagens esquemáticas do mundo, mapas realizados a partir de coordenadas polares (quase todos árabes) e portulanos que são guias práticos de navegação. Esses três elementos, arte, matemática e observação empírica/científica estão bem presentes no Atlas Catalão.
No Homem zodiacal do Atlas Catalão (ver figura seguinte) traduz-se a visão medieval da medicina, onde se acreditava que cada parte do corpo humano era regida por um signo ou constelação.
Para melhor se entender essa lógica tentar-se-á explicar porque se acreditava que as estrelas influenciavam o “temperamento” humano.
Na Idade Média, onde o modelo Ptolomaico imperava, a Terra situava-se no mundo sublunar. Nesse mundo, dominavam os quatro elementos: terra, ar, fogo e água, da física Aristotélica, que estavam em correspondência permanente, tanto com os astros como com os quatro humores (líquidos) em circulação no corpo humano: o sangue (propriedade húmica), o fleuma (linfa, soro, muco nasal, saliva, muco intestinal), a bílis (amarela, quente) e a atrabílis (ou bílis negra, secreção do pâncreas, fria).
A teoria dos temperos defendia que todas as coisas vivas derivavam desses quatro elementos e das suas quatro qualidades (quente, frio, seco e húmido) convenientemente temperadas.
A Medicina medieval via o homem integrado no universo, recorrendo insistentemente aos trabalhos de Galeno de Pérgamo (129-179 d.C.), médico e anatomista grego, que por sua vez se referia a Hipócrates (460-380 a.C.).
Na teoria dos humores, o homem era quente e seco, e a sua irascibilidade decorria da bílis amarela. A mulher era fria e húmida, daí que homem e mulher se completavam, sendo feitos um para o outro. A homossexualidade era considerada anti-natural, pois não se encaixava nessa teoria.
A teoria dos humores foi reforçada pela medicina árabe, que a combinava com os signos ou constelações do Zodíaco. Os signos governavam partes específicas do corpo, os humores, e as constelações determinavam os graus de calor e humidade do corpo e a proporção da masculinidade e feminilidade de cada pessoa.
Na Árvore Celestial, do grande livro medieval “A Árvore da Ciência” (1295-1296), o filósofo Ramon Llull (1232-1316) explica a razão da masculinidade e da feminilidade como uma consequência da forma e da matéria. É dada masculinidade a um signo por questões relacionadas com a forma e a feminilidade ou por questões de matéria, de modo que eles possam ter acção e paixão. O que tem acção era considerado masculino e diurno e o que tinha paixão era feminino e nocturno.
Na Idade Média, a Lua controlava a fisiologia feminina e a sua humidade. Governava o cérebro (daí a existência de termos como aluado), a parte mais húmida do corpo, sendo responsável pela demência dos temperamentos lunáticos.
As Mulheres histéricas tinham o mal da Lua. A melancolia era característica dos nascidos na lua cheia sendo pessoas de humor sombrio. Os nascidos sob a influência de Saturno (Capricórnio) também eram frios e sombrios. Os que haviam nascido sob a influência de Júpiter (Sagitário) eram sóbrios e joviais; sob Vénus (Touro e Libra), eram afectuosos e férteis.
Essa teoria médica medieval inseria-se assim num sistema global de explicação do mundo medieval e prevaleceu até o século XVIII. Mesmo durante a Renascença a astrologia reinou, especialmente quando se desejava tomar alguma decisão importante. Nessa perspectiva, a visão do universo do Atlas Catalão não é uma exclusividade das “trevas medievais” mas sim de uma concepção profunda do mundo, tal como aquela que pode ser vista na Luo Pan Chinesa, que possuem ainda hoje, tanto uma visão como outra, fortes raízes em diversas tradições populares.
Um pouco desligadas dos aspectos místicos e religiosos, as cartas portulanos do Atlas Catalão, são uma contrapartida gráfica moderna, para a época, dos antigos périplos (itinerários escritos pelos marinheiros da época clássica e elaborados a partir das observações feitas ao longo das costas navegadas). Não eram as cartas ptolomaicas, pois não tinham um sistema de coordenadas latitudinais e longitudinais, mas sim uma rede de loxodromas (linhas de rumo) como uma rosa-dos-ventos. Muito práticas, elas eram usadas como cartas de navegação e eram melhoradas através das informações obtidas nos diários de bordo e da determinação de distâncias e posições através da leitura da bússola. As mais antigas cartas portulanos existentes são de origem italiana, feitas em Génova e Pisa. Mas as mais belas foram produzidas em Maiorca, ilha da Catalunha (região da actual Espanha), no famoso o Atlas Catalão (1375), onde já se delineava uma Ásia que o Ocidente viu ressurgir naquela época através da reactivação do comércio com essa região do mundo, mas mantendo a característica de representar reinos reais ou imaginários.
A doutrina de Ptolomeu, que vigorava na Idade Média e representada no Atlas Catalão, não foi uma pura fantasia, foi uma verdadeira teoria científica, que se prestava admiravelmente aos cálculos astronómicos e se manteve enquanto esteve de acordo com os resultados das observações. Depois foi abandonada. Tal é o destino das teorias científicas, que, sendo simples resumos dos factos observados, se vão modificando com o aperfeiçoamento dos meios de observação e o conhecimento de novos factos.
Para explicar os diversos movimentos dos astros que podemos observar no céu, Ptolomeu imaginou que em volta da Terra existiam oito abóbadas de cristal, cada uma com um raio diferente e que suportavam os corpos celestes. Na época só se conheciam cinco planetas: Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno, a que se acrescentavam a Lua e o Sol. A ordem dos planetas nesse modelo era a seguinte: na primeira esfera, a mais próxima da Terra (que ocupava o centro do que hoje se designa por sistema solar) estava a Lua, na segunda Mercúrio, na terceira Vénus, na quarta o Sol, na quinta Marte, na sexta Júpiter, na sétima Saturno e na oitava os restantes corpos celestes, as estrelas fixas (ver imagem seguinte). O movimento rígido das estrelas no céu levou Ptolomeu a pensar que elas estavam todas fixas na mesma abóbada.
A visão ptolomaica do sistema solar está perfeitamente desenhada e ricamente decorada no Atlas Catalão. O diagrama cosmográfico de Abraão Cresques, representa muito bem a ciência astronómica da época para além de lhe inscrever representações religiosas, características da época medieval (ver figura seguinte).
Por outro lado, os filósofos gregos defendiam que, embora o mundo fosse formado por objectos distintos, havia algo de comum na matéria que os compunha. Essa lógica acaba por traduzir-se na teoria dos quatro elementos anteriormente referidos, que tenderiam, pela sua própria natureza a agrupar-se em esferas. Desta forma a esfera mais pesada ficaria no centro, uma esfera de terra. A esfera de terra no centro é o nosso planeta, a esfera de água continha os mares e os oceanos, a esfera de ar correspondia à esfera da atmosfera, e por fim a esfera de fogo correspondia ao Sol e às estrelas. O círculo de fogo (estrelas e sol) girava em torno dos outros círculos, que constituem o planeta Terra.
Tanto o homem zodiacal com o diagrama cosmográfico do Atlas Catalão tem bem presente uma visão do mundo à base dos quatro elementos primordiais gregos.