Eu - Coleccionador de Nuvens
Sou ingénuo, talvez romântico, quiçá utópico.
Sempre gostei das coisas catalogadas, classificadas e ordenadas, talvez por não conseguir mantê-las assim.
Gosto de colecções, porque raramente acabam.
Coleccionando, convencemo-nos que no fim da nossa vida, teremos um espólio tão extenso e tão rico, obtido pelo pequeno esforço diário de apanhar num só dia, uma pequena e ao mesmo tempo única coisa. A esse espólio, provavelmente depositado num museu, estará associada a frase: “Aqui está a grande colecção de mim”. Não falo da colecção de acontecimentos únicos que fazem uma vida, porque a vida, todos coleccionamos, e por haver muitas, essas colecções estão desvalorizadas.
Uma colecção é tão mais valiosa, quantos mais raros forem os objectos que a compõem.
Penso ter enunciado aqui as principais premissas que levam ao início de uma grande colecção.
Eu próprio colecciono nuvens, por serem de algodão, por suportarem os anjos e por serem efémeras como a própria vida.
Coleccionar nuvens é simples: basta estar atento, e todos os dias, ter vontade de querer olhar para o céu e perder menos de um minuto a captar a mais bela nuvem que aí se encontre. Se fizerem isso diariamente, ao fim de um ano, terão na vossa colecção 365 belas nuvens e ao fim de 10 anos, 3650 obras primas.
Imaginam quantas nuvens terei na minha colecção quando morrer?!.
Se os meus herdeiros não valorizarem as nuvens, de pouco ou nada serviu o esforço de coleccioná-las, mas certamente terão peso de consciência em deitá-las fora, por serem muitas e tão diversas. Dessa colecção garanto-vos que algo de bom saiu: morrerá pelo menos um homem apaixonado pelas nuvens.
Sei que não é fácil cuidar e manter uma colecção de nuvens, e ainda por mais, não é fácil encontrar no mercado um manual técnico para nos ajudar à sua conservação, por isso mesmo, decidi partilhar convosco a minha pequena experiência de coleccionador de nuvens.
Para se manter em bom estado uma nuvem, deve evitar-se o seu contacto com os ácidos e os fumos. Os ácidos não lhe alteram a cor mas são capazes de lhe alterar a essência. Os fumos, obviamente que as enegrecem.
As nuvens apanhadas sobre o mar deverão ser conservadas em sal quanto baste, mas nunca com sal em demasia, enquanto que as nuvens apanhadas sobre terra, deverão ser salpicadas com um pouco de pó, para não se esquecerem do local de onde nasceram.
Torna-se por vezes perigoso manter uma boa colecção de nuvens, porque algumas delas tem caracter tempestuoso. Não se deixem intimidar por esse aspecto: essas nuvens se não forem provocadas, perdem normalmente esse mau humor com o tempo.
Há nuvens que devem ser conservadas em fresco, mas não em demasia, para não se tronarem pesadas, e há outras, que devem ser agasalhadas, mas também não em demasia para não se volatilizarem.
No que respeita à catalogação de nuvens estas deverão ser agrupadas em estantes diferentes, consoante a sua origem ou a sua função. Eu classifico as minhas do seguinte modo:
- As que servem para usar à cabeça, chamo-as de orográficas.
As que parecem ter personalidade forte e quererem afirmar-se pela sua imponência, ou aspecto ameaçador, classifiquei-as de Cumulos.
Aquelas que timidamente se espraiam pelo céu, chamo-as de Cirros.
Áquelas que tendem a ocupar todo o céu, chamo-as de Estratos.
Entusiasmei-me de mais a falar das minhas meninas. Confiando que com os poucos conhecimentos que vos passei, serão pelo menos capazes de cuidar destas quatros, queiram aceitá-las, como prenda de Natal.
21 Comments:
Muito obrigado pela prenda de Natal.
Na universidade quando tive de estudar o tipo de nuvens, não as achei tão fabulosas.
Como é que se foi lembrar de tal colecção?
Cabecinha pensadora....
anónimo anterior, é a ana vilela, nota-se que a experiência nestas tecnologias está muito por baixo.
Não consegui inserir o nome e saiu anónimo
Boa noite
Ana Vilela
Simplesmente brilhante!
Obrigado por partilhar a sua "colecção" de nuvens.
Que bom seria se todos nós, na globalidade das situações, conseguíssemos captar e aproveitar (também chamando a atenção e partilhando) as belezas presentes em cada acontecimento, em cada objecto, em cada nuvem...
Olá a todos!
Adorei a prenda de Natal e rendo-me à sua originalidade e aos encantos das nuvens.
Talvez por influência da hora ou pelo estado de espírito, estou tentada a aceitar as nuvens mais imponentes. Aquelas capazes de produzirem uma tempestade com trovoada estrondosa e muitos relâmpagos, as preferidas da Maga Patalógika. Não sei porquê mas adoro mesmo essas tempestades, inspiram-me.
Olá Cristina.
Obrigado pela retribuição da prenda, com uns raios de Sol.É uma troca justa.
Quanto a sapatos, tenho alguma dificuldade em coleccioná-los. Penso que esse tipo de colecção tem um cunho mais feminino, pelo menos conheço várias mulheres que o fazem, não conheço no entanto nenhum homem, não quer dizer que não os haja, ou que a minha amostra seja significativa.
Caro José Aurélio.
Obrigado por aqui estar.Acho que a partilha se faz pela intromissão num assunto que todos somos capazes de ver e de sentir. E partilhar não creio que seja mais do que estar disponível com aquilo que pensamos.
Obrigado também por partilhar connosco a sua mensagem, por acaso muito profunda.
Eva.
Admirava-me que não escolhesses, ou tivesses uma predilecção especial pelas nuvens mais rebeldes, ou mais energéticas.
A escolha da tua nuvem, será a identificação da tua alma.
A Ânsia, a Incerteza e o Medo pelo que se pode perder accionam em nós sortilégios e malabarismos tais...
E só encontramos o sentido do que possuimos quando às vezes é tarde de mais...
A alma comove-se e comovida dá espaço à criação e à regeneração. É preciso que as almas andem sempre comovidas e maravilhadas para que o que é preciso acontecer aconteça - Sentido de pertença.
A partir daí talvez não seja necessário haver colecções de nuvens, pois elas não serão raras e divertirão gerações e gerações com as suas múltiplas formas.
Agora, as colecções fazem sentido! Sejamos ingénuos, utópicos e românticos o quanto baste!
Fátima.
Que bonita mensagem.
Se calhar precisaremos tanto de colecções de núvens, como de colecções de raios de sol, como de colecções de gotas de águas, como precisamos de coleccionar a nossa própria vida. O grande dilema da humanidade talvez seja, a sua incapacidade para não se aperceber que essas colecções estão todas ligadas.
Brilhante...mais uma vez!!
Colecção de nuvens...que ideia tão gira! Penso que tenho algumas que não constam na sua colecção, são lindas, parecem de outro mundo...e quase apetece agarrá-las, pode encontra-las em: http://www.hprcc.unl.edu/nebraska/june2004hastings-mammatus.html
São a minha prenda de Natal, para completar a sua colecção.
Obrigada pelo presente
Ana Isabel.
São lindas as nuvens que me ofereces: arrebatadoras por um lado e aterradoras por outro.
De facto, a minha maior colecção de "nuvens" está aqui neste post, ou seja, daquelas que serão capazes de preencher o céu de qualquer professor.
Ana.
Neste espaço, não é obrigatória a identificação, mas é mais agradável quando ocorre.
Na pequena história da colecção de núvens também pretendia acentuar alguns efeitos antropogénicos, na alteração e composição das nuvens, nomeadamente: aumento da acidez da água da chuva e contaminação por poluentes. O manual para cuidar das nuvens deverá ser divulgado, porque elas formam-se a partir de determinadas condições naturais, que alteradas, levarão ao aparecimento de um vasto conjunto de impactos ambientais.
Sei que não me perguntou nada disso, mas explico-lhe porque gostei da forma como ligou a questão à formação, ou à explicação (didáctica).
Vou deixar neste post, uma ligação para uma página que faz a classificação dos vários tipos de núvens, se alguém tiver interesse em classificá-las com os seus alunos.
Obrigado por participar.
O José Mário Silva,publicou no seu blog um artigo antes publicado no DN, chamado coleccionador de Nuvens.Aí afirma que "Eu colecciono nuvens e continuo a achar que o cúmulo da monotonia é a visão — lisa, opaca, vazia — de um céu completamente azul." Confessa, ainda nesse mesmo artigo que "O que eu queria mesmo, era andar pelo mundo à caça delas. Contemplá-las por cima (avião), por baixo (barco ou automóvel), por dentro (no topo das montanhas). E fazer depois um Diário das Nuvens, como o que Goethe escreveu em 1820, só com referências sucintas ao modo como os cumulus, os stratus, os cirrus e os nimbus se distribuem na atmosfera, se avolumam ou se desfazem em chuva.
«Uma arquitectura do acaso», chamou-lhes Jorge Luis Borges. Do efémero, acrescento eu. E talvez por serem assim — breves, frágeis, provisórias — me pareçam sempre tão belas."
Se calhar o melhor é mesmo dar uma olhadela a http://bde.weblog.com.pt/arquivo/126175.html
Ao último anónimo:
Obrigado.
Adorei este e só agora comecei a ler o blog saltitando um pouco de post em post! quase 20 anos depois continuas igual a ti próprio! que impressão!!Vou ler mais para ter a certeza!
Teresa
Esqueci-me de dizer no primeiro comentário mas com este post ganharias um óscar na Didáctica ou na Metodologia da Física
Teresa
Teresa.
Até parece que nos tocamos, neste mundo virtual. Tu a entrares, ou a saíres deste blog, e eu a recompor o Post Bio-Poema. Sei porque vi os números dos comentários aparecerem de repente.
Quanto a manter-me igual ao que era 20 anos atrás. Não me lembro bem, mas oxalá que tenha mudado qualquer coisa, para melhor, entenda-se.
Gostei imenque tivesses passado por aqui. É aqui que partilho um pouco da minha alma, e é muito bom saber, que são os amigos que a captam.
Felix
É claro que eu também espero que sejas como o Vinho do Porto!
Mas o padrão que tenho para comparar está desactualizado. Há 20 anos não existiam blogs e por isso não tenho um bom referencial, mas espero conseguir arranjar um upgrade.
TF
Este teu comentário é um mimo.
...maravilhoso professor! simplesmente maravilhoso...
Obrigado Rute.
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